Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São
Félix do Araguaia, no Mato Grosso, está sendo seriamente ameaçado de morte.
Para protegê-lo, o Governo Federal tomou a iniciativa de removê-lo de lá, e
levá-lo a um lugar distante, onde permanece sob a custódia da Polícia Federal.
Dadas as circunstâncias, esta medida do Governo se
justifica, e merece ser apoiada. Quando a vida corre perigo, o Estado tem a
obrigação de fazer o que está ao seu alcance para defendê-la e preservá-la.
Independente dos motivos das tensões existentes, devidas à
iminente execução da sentença de reintegração de posse em favor dos índios
Xavantes das terras de “Marâiwatsèdè”, com a retirada de toda a população não
indígena, permanece muito estranha, e profundamente equivocada a ameaça feita
contra Dom Casaldáliga, como se ele fosse o culpado da situação agora
existente.
Desde que foi eleito bispo, em 1971, Dom Pedro Casaldáliga
vem dando a todos um comovente exemplo de autenticidade evangélica, de
austeridade, vivendo pobremente nesta Prelazia que a Igreja lhe confiou.
Ele está agora com 84 anos de idade. Desde 2002 é Bispo
Emérito. Como tal, podia ter retornado à sua terra de origem, a Catalunha. Mas
fez questão de permanecer nesta terra cheia de conflitos decorrentes de
problemas de terras mal resolvidos.
Dom Pedro é incapaz de matar sequer um mosquito. Por que temer um ancião de 84 anos,
desarmado, indefeso, cordato e pacífico?
A violência é sempre má conselheira. É preciso, quanto
antes, desarmar os espíritos, para todos assumirem uma postura de respeito e de
entendimento.
Ainda mais tendo presente a firme decisão de Dom Pedro, de
manter-se sereno diante das ameaças, e pronto igualmente para testemunhar com a
própria vida suas convicções na defesa dos humildes, sejam eles índios ou
posseiros.
Diante destas novas ameaçadas, D. Pedro continuou fazendo
poemas, como fez ao longo de sua vida. Este o recado enviado agora aos que
querem matá-lo:
“Eu morrerei de pé como as árvores.
Me matarão de pé.
O sol, como testemunha maior, porá seu lacre
sobre meu corpo duplamente ungido”.
Esse é Dom Pedro. Com ele as armas da morte só acentuam a
força do seu testemunho. Sua coragem nos
remete a buscar uma solução justa e pacífica para o impasse criado com a
execução da sentença judicial.
Em primeiro lugar, valem as palavras do atual Bispo da
Prelazia, Dom Adriano Ciocca, que nos ajudam a perceber a gravidade da
situação: “sabemos que está havendo muito sofrimento, sobretudo dos mais
pobres, por causa desta retirada determinada pela Justiça.”. Mas adverte com clareza: “Desde o início
desta ocupação, alertamos para a possibilidade do atual desfecho, por se tratar
de terras cujo direito é garantido ao povo Xavante pela Constituição Federal”.
Dada a proporção do conflito, garantido o direito dos
Xavantes sobre este território, o Governo Federal deve, como manda também a
Constituição, indenizar todas as benfeitorias feitas pelos ocupantes de boa fé,
mesmo que tenham sido enganados.
E como se trata de uma situação paradigmática, em que a
demora da solução acabou agravando a situação, o Governo precisa assumir o
compromisso de re-assentar os agricultores, de imediato, na medida em que vão
sendo retirados deste território.
Assim será possível atender ao direito dos índios, sem
atropelar o direito dos pobres agricultores, que também não têm culpa do
impasse agora existente.
Para situações difíceis, se requer grandeza de ânimo, não o
atalho das armas.
Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP)
Dom
Pedro Casaldáliga, completa amanhã, sábado, 80 anos. Nascido em Balsareny, em
1928, na Espanha, Dom Pedro Casaldáliga ingressou na Congregação Claretiana em
1943. Em 1968, mudou-se para a Amazônia e, em 1971, o Papa Paulo VI o nomeou
bispo de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Adepto da Teologia da
Libertação, tem como lema "Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada
calar e, sobretudo, nada matar". É poeta, autor de várias obras.
Dom Pedro Casaldáliga também já foi alvo de
inúmeras ameaças de morte. Além disso, por cinco vezes, durante a ditadura
militar, foi alvo de processos de expulsão do Brasil, tendo saído em sua defesa
o arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. No ano 2000, foi agraciado
com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Campinas.