Afeto e desejo raramente se
encontram na vida dos homens
Afeto e desejo são sentimentos
gêmeos. Em alguns momentos da existência eles se ignoram, em outros parecem
inseparáveis. Na vida dos homens, mais do que das mulheres, eles são como rios
paralelos que às vezes se esbarram, mas raramente se encontram. Por isso é tão
mais difícil para os homens encontrar prazer e sentimentos duradouros. Por isso
não conseguem estar inteiros nas relações – porque vivem divididos por
dentro.
Acho que essa dificuldade explica
parte das contradições que os homens exibem o tempo inteiro. “Ele disse que
estava apaixonado, mas logo depois mostrou que não estava”: era o desejo
falando, sem o amparo duradouro do sentimento. “Ele foi embora, mas voltou logo
depois, dizendo que me amava”: o corpo da outra precisou estar ausente para o sujeito
perceber os próprios sentimentos. “Ele parecia tão interessado quando eu não
queria, depois que eu me apaixonei ele sumiu”: o desejo enlouquece com o que
ainda não tem, e pode se cansar rapidamente depois de saciado. Afetos são mais
constantes e duradouros.
Nenhum desses comportamentos é
exclusivamente masculino, mas eles são mais visíveis nos homens – embora a
gente escute reclamações, cada vez mais frequentes, de que as mulheres estão
agindo de forma igualmente egoísta e superficial. Num mundo ordenado cada vez
mais profundamente pela lógica da posse e do consumo, ninguém está imune a se
portar como colecionador serial de corpos e pessoas descartáveis. Pode ser, mas
o convívio sugere que mulheres ainda são mais atentas aos próprios sentimentos,
e que eles falam mais de perto com as sensações delas de prazer.
Dou um exemplo: mesmo homens
maduros podem se descobrir à beira de um colapso nervoso ou de uma depressão
enquanto se relacionam, simultaneamente, com um bando de mulheres. O sujeito
está péssimo, mas continua ali, tentando resolver sua angústia num mar de...
mulheres. É mais difícil achar uma mulher numa situação dessas. Mesmo aquelas
que poderiam abusar do corpo ou do carisma agem de outra forma. Uma rápida
peneira afetiva faz com que o bando de candidatos ou fiquetes seja reduzido a
um (ou dois) que tenham significado emocional. O resto dança. As mulheres são
menos propensas a se perder num mar de corpos. Os homens, para o bem e para o
mal, parecem às vezes ter nascido para isso - ainda que os corpos sejam somente
imaginários.
Outro dia, uma aluna de
jornalismo que está fazendo um trabalho de conclusão de curso me fez a pergunta
de um milhão de reais: o que é o amor para você? Na hora, claro, eu respondi
bobagens prolixas. Horas depois me ocorreu uma resposta mais simples, que tem a
ver com o assunto do qual estamos tratando. Amor é foco. Amar é sentir que a
vida se condensa em torno de um sentimento e de uma pessoa, e por isso se torna
deliciosamente simples, tanto quanto intensa. As dúvidas e os problemas recuam
para o segundo plano. O tédio, o medo, a confusão se dissolvem num grande
sentimento claro e límpido. Ele é como o facho de luz que atravessa uma lente e
se transforma, do outro lado, num único ponto rutilante.
Essa definição de amor significa
o contrário da multidão de corpos. Ela é sinônimo de escolha e singularização.
Talvez por isso seja difícil de atingir, e ainda mais difícil de manter. O
desejo que se desloca de um corpo para outro, sem passar pelo filtro rigoroso e
constante do afeto, é o contrário da seleção. Ele não implica em renúncia
nenhuma, e talvez não leve a lugar algum.
Não sei se o desejo inquieto dos
homens algum dia será coletivamente diferente, mas, pessoalmente,
individualmente, ele muda. Com o passar do tempo, cresce de maneira
imperceptível a vinculação entre sentimento e desejo na vida dos homens. O
sujeito não se torna necessariamente mais constante, mas o desejo dele começa a
ser subordinado a critérios que as mulheres talvez reconheçam, por serem
afetivos – ele deseja quem conhece melhor, deseja mulheres de quem gosta.
Aquela dona escultural de quem ele nem sabe o nome é uma delícia, mas não é com
ela que ele sonha embaixo do chuveiro. O desejo profundo passa a incluir formas
de intimidade e acolhimento. Continua volátil, ainda insiste em ser voraz, mas cada
vez está mais vinculado aos afetos. Os rios do amor e do desejo cuidadosamente
se aproximam. Talvez uma vida não seja suficiente para que se juntem, mas quem
realmente sabe?
IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Fonte: Época
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