Tomara poder desempenhar-me, sem
hesitações nem ansiedades, deste mandato subjectivo cuja execução por demorada
ou imperfeita me tortura e dormir descansadamente, fosse onde fosse, plátano ou
cedro que me cobrisse, levando na alma como uma parcela do mundo, entre uma
saudade e uma aspiração, a consciência de um dever cumprido.
Mas dia a dia o que vejo em torno
meu me aponta novos deveres, novas responsabilidades da minha inteligência para
com o meu senso moral. Hora a hora a (...) que escreve as sátiras surge
colérica em mim. Hora a hora a expressão me falha. Hora a hora a vontade
fraqueja. Hora a hora sinto avançar sobre mim o tempo. Hora a hora me conheço,
mãos inúteis e olhar amargurado, levando para a terra fria uma alma que não
soube contar, um coração já apodrecido, morto já e na estagnação da aspiração
indefinida, inutilizada.
Nem choro. Como chorar? Eu
desejaria poder querer (desejar) trabalhar, febrilmente trabalhar para que esta
pátria que vós não conheceis fosse grande como o sentimento que eu sinto quando
n'ela penso. Nada faço. Nem a mim mesmo ouso dizer: amo a pátria, amo a
humanidade. Parece um cinismo supremo. Para comigo mesmo tenho um pudor em
dizê-lo. Só aqui lh'o registo sobre papel, acanhadamente ainda assim, para que
n'alguma parte fique escrito. Sim, fique aqui escrito que amo a pátria funda,
(...) doloridamente.
Seja dito assim sucinto, para que
fique dito. Nada mais.
Não falemos mais. As coisas que
se amam, os sentimentos que se afagam guardam-se com a chave d'aquilo a que
chamamos «pudor» no cofre do coração. A eloquência profana-os. A arte,
revelando-os, torna-os pequenos e vis. O próprio olhar não os deve revelar.
Sabeis decerto que o maior amor
não é aquele que a palavra suave puramente exprime. Nem é aquele que o olhar
diz, nem aquele que a mão comunica tocando levemente n'outra mão. É aquele que
quando dois seres estão juntos, não se olhando nem tocando os envolve como uma
nuvem, que lhes (...)
Esse amor não se deve dizer nem
revelar. Não se pode falar dele.