Eu teria uns seis anos de idade
quando tive contato, pela primeira vez, com o significado misterioso do verbo
“dar”. A casa cheia, escuto uma discussão em voz alta na sala e me aproximo.
Uma das moças afirma, em tom de desafio: “Dou para ele, sim, e você não tem
nada a ver com isso”! A mãe grita escandalizada, o pai manda que a filha cale a
boca. No breve silêncio que se segue, eu pergunto a todos e a ninguém: “O que
ela deu que está todo mundo bravo?” Grande erro. Os adultos se voltam para mim
com ar de fúria e berram para que eu saia dali. Cai a cortina.
Nem gosto de pensar quão velha é
essa cena, mas, desde então, ficou claro para mim que “dar” não era um verbo
corriqueiro. Havia nele um significado latente, carregado de censura e de
silêncio, que o tornava irresistível. Mesmo hoje, tanto tempo depois, quando a
compreensão e o uso banalizaram o sentido erótico de “dar”, a palavra ainda me
parece fascinante. Há tantas maneiras de falar do ato sexual quanto são as
línguas humanas, mas eu sinto que nós achamos um verbo bonito para tratar do
assunto.
Pensem comigo: dar indica um ato
autônomo de vontade. Quem dá não é roubado, quem dá não é forçado, que dá
escolhe dar. Oferece ou atende a um pedido. A mim parece bonito que numa
sociedade machista e historicamente repressora como a nossa tenhamos escolhido
este verbo delicado para explicar o que faz a mulher que consente no sexo. Ela
dá - como se desse um presente, um beijo ou um conselho. Entrega algo que é
dela. Entrega-se. Há despojamento nesse verbo, doação. Quem dá, afinal, não
vende nem troca. Transfere ou partilha graciosamente. Como um gesto de amor ou
de luxúria, mas essencialmente dadivoso.
Não quero esticar demais o
argumento, mas me parece que, neste caso, existe uma conexão entre o que se
fala e o que se faz.