segunda-feira, março 03, 2014

ÁGUAS E VIOLÕES

           Desce pelos acordes imenso rio, chuvas de violões despencam na floresta da alma do cantador - soa num Dó, uma sonoridade de ilusões, amazonicamente, no templo das águas e dos violões...
            Estirão de praias submersas, onde as águas se levantam pela força dos temporais. Arco-íris ligando a mata e o rio, a capoeira e o cio, a poesia e os igarapés.
            Curvas, enseadas, ponteios, as águas feito chuvas, trazem para nós a gula, o  sofreguidão - rente a cabeceira do Patacho, beira de rio, de riacho, vinga um acorde maior, violão de cancioneiro fobó, cantigas encantadas do tempo da minha avó.
            Cada saída de lua, feito mulher nua, no alto do céu, prende os olhares ao léu, roucos estampido das pedras, rolando dentro das nuvens, que anunciam um temporal... águas torrenciais deixam aflição, três acordes perfeitos no meu violão, - soando no telhado o bailado dos pingos, clima de poesia, soar de sinos, dos apaixonados um hino, faz da vida uma canção.
            O verão que distante, a espera da poesia errante, as águas e os retirantes; a boiada precisa deixar o lugar... As palavras vão vincando a passagem do gado, o violeiro sem berrante dá o recado, canta as mágoas, os amores e a solidão.
            Parte uma canoa desvairada, singrando as águas encantadas, violões são como estradas, caminhos de muitas direções... O poeta finge pensando palavras, dando vida nova as velhas xaradas, é sutil pela madrugada e sublime entre o verso e o rio.
            Que neste imenso verde mata, galhos, capinzais e rios, violões despertam vazios nessa floresta inundada... Trazem seus acordes febris, crescendo de dentro da raiz, dos costumes enraizados...
            Passa curumim, passa moça bela, passa a cabocla esperando o caboclo na janela, passa o temporal e a canoa a vela leva a tarde para descansar no matagal...
            Águas molhando um choro de saudade, violões violando a canção da liberdade, pessoas esperando os barcos com ansiedade, em cada porto, em cada cidade... Um rio é como um Sol, acorde perfeito maior, a Amazônia é um arrebol, um calor de descer o suor.
            O tempo leva o pensamento longe, o caboclo desperta na alvorada das revoadas, cantarolas de pássaros pras bandas da terra firme, eia boiada! Chão de terra aguada ficou na várzea, são águas passadas...
            O poeta é difamador da palavra, arranja briga entre violão e água, faz magia nos versos da mulher amada, desce a correnteza dos sonhos, mirando a lua que jamais o abandona. Poesia é o que se sonha, são águas e violões na Amazônia.