domingo, abril 27, 2014

CONTE COMIGO


Um poema de Mario Benedetti celebra o amor que não se esgota em festas
Outro dia, em circunstâncias suaves e domésticas, lembrei de um poema do Mario Benedetti que costumava me comover até os ossos. Chama-se Hagamos un trato - Façamos um trato, em português – e fala dos sentimentos de um homem por uma militante política, que ele chama de compañera.

Em linguagem simples e direta, o poema diz, essencialmente, que ela pode contar com ele “não até dois ou até dez”, mas contar com ele, em qualquer circunstância. É um poema de amor que expressa um compromisso político. Ou talvez seja um poema épico suavizado por um toque de amor. Não sei. Vocês leiam e me digam.

Mas é evidente, para mim, que qualquer que tenham sido as intenções do Benedetti, seu poema resume uma verdade essencial: afeto é compromisso. Os problemas do outro passam a ser parte dos meus problemas, minhas dores são em alguma medida as dores dele. Eu cuido dele e ele cuida de mim. Não deixei de ser eu, ele tampouco deixou de ser ele, mas há um projeto que nos vincula e nos torna responsáveis um pelo outro. Voluntariamente. Talvez temporariamente. Mas, enquanto estivemos ligados, será assim.


Se isso parece consistir um fardo, não é. Dividir é bom. Cuidar também é bom. Andamos tão acostumados a pensar de forma egoísta que a ideia de ser responsável pelo outro nos apavora. Temos medo também de depender da atenção e dos cuidados alheios. Mas tem sido assim por alguns milênios e acho bom que continue. Somos indivíduos, inescapavelmente, mas algo em nós anseia por ligar-se e partilhar de uma forma que não seja superficial ou declaradamente provisória. Quando isso acontece, nos sentimos parte de algo maior que o mercado ou as redes sociais. E há um profundo conforto nisso.

Talvez essa seja o sentido atual do “conte comigo” de Benedetti. Ele expressa uma forma de amor que não está na moda. É algo que se manifesta não apenas como partilha de prazer e hedonismo, mas como potencial de sacrifício. O poema nos lembra que não estamos nessa apenas pelo riso e pela noite inesquecível. Às vezes será inevitável sofrer, fazer coisas chatas, deixar de lado vontades e interesses imediatos. Às vezes será necessário abrir mão. Seremos capazes? Espero que sim.

Quando li Hagamos un trato pela primeira vez, por volta de 1995, ele me pareceu uma promessa de amor em meio à guerra. Benedetti, afinal, era um homem de esquerda. Fora exilado pela ditadura militar em seu país, o Uruguai, e sempre voltara seu arsenal de palavras contra ela. Hoje, com outros olhos, o poema me sugere outros sentimentos, que vão além do contexto político.

A palavra compañera, que abre o primeiro verso, tem, para mim, um significado menos militante do que afetivo. Companheira é quem ama, quem fica, quem faz parte. Não se aplica a meteoros cintilantes.

O poema, que antes me parecia tão somente romântico, hoje me comove por sua austeridade. Evoca uma promessa de fidelidade que vai além da exclusividade sexual ou sentimental. “Conta comigo” sugere sentimentos e laços profundos, assim como pessoas capazes de sacrifícios e cuidados. Não é a leveza de sentimentos ou a combustão instantânea que estação recomenda, mas me parece aquilo que muitos querem e precisam. Senão hoje, certamente amanhã, quando seremos um pouco melhores e mais sábios.

Ivan Martins

NO PUTEIRO: SEM EIRA NEM BEIRA


Zanzei a pé pela noite de sabado, desci a Inácio Correa, caminhei pela orla ali construída pelo Lira Maia, arruinada pela Do Carmo e não varrida pelO Alexandre. Será que pra mandar varrer o chão o prefeito vai governar que nem o PT, dependendo das “pãrcerias”? Vai ver precisa de alguma reunião com os companheiros do partido, você sabe como são essas decisões importantes. Não podem ser tomadas intempestivamente.

Andei até o mercado Modelo. No apodrecido centro de Santarém, o drama é aquilo ali. Gente triste, fudida e mal paga mimetizada com a paisagem imunda e contando as merrecas pra comer alguma coisa no domingo de Páscoa. Churrasquinho, 3 Reais, “acompanha” refri de copo. Subi a Francisco Correa, vou pra casa pensei, passando em frente ao puteirinho da Camelinha. Entrei movido pela curiosidade mórbida.

Duas putas obesas me receberam. Passei por elas e fui pegar minha cerveja num balcão onde a Camelhinha me atendeu. Dali observei o salão. Encostadas nas paredes, contei 07 mesas – cada uma com uma lata de cerveja em cima e um cara desanimado sentado atrás. Eu era o 13º.

Mal sentei, veio uma gorducha sorridente em minha direção. Chegou, antes de ela começar a pedir bebidas, usei a senha que me livraria de todas as mulheres da casa: eu estava sem grana. Ela despediu-se, simpática, e foi sentar no colo do meu vizinho da mesa ao lado. Passou um cara, de mesa em mesa, sacudindo as latinhas de cerveja e recolhendo as que estavam vazias. Pressão inútil porque ali ninguém tinha dinheiro para comprar mais nada.

Então...Resolvi não esperar mais e me mandar. Abrir a porta e sai. Na rua ainda ouvi a música do Tim Maia: “vou pedir pra você voltar…vou pedir pra você ficar…”


Texto: Eduardo Dourado
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