segunda-feira, julho 28, 2014

DÁ PRA PERDOAR?

O perdão é uma espécie de botão de reiniciar que permite aos casais recomeçar todos os dias


Acho que foi a Miriam Palma, amiga desde os tempos do cursinho, quem me contou que, dentro de 10 anos, todas as fotos de nós mesmos que hoje nos parecem feias ficarão bonitas. É só uma questão de tempo para que a beleza apareça. Nosso olhar precisa mudar.


O mesmo se aplica, me parece, à questão muito mais grave do ressentimento e do perdão. As coisas que hoje nos parecem inaceitáveis, e, por decorrência, imperdoáveis, com o passar do tempo talvez se mostrem verdadeiramente irrelevantes. Nem é preciso esperar 10 anos. Talvez cinco bastem. Ou mesmo 12 meses. Nosso olhar só tem de mudar.


Estou falando, claro, da relação entre duas pessoas, das coisas que acontecem no interior dos casais. Imagino pessoas que se amam ou se gostam – ou têm pelo menos a lembrança desse sentimento. Essas relações nos são tão caras e tão próximas que, nelas, o ato de perdoar é essencial. Talvez seja o gesto mais necessário e o mais frequente de quem partilha a vida com alguém.


Perdoar é como apertar um inesgotável botão de reiniciar: foi ruim ontem à noite, dormimos com raiva um do outro, esta manhã reiniciamos. A conversa foi muito dura, agora estamos mais calmos, que tal reiniciar? Eu fiz algo que a magoou, você reagiu com brutalidade, reiniciemos, por favor.


Estar com alguém, viver com alguém, é sinônimo de afrontar e ser afrontado. A cada dia, quase a cada momento. Os nossos egos, as nossas suscetibilidades tornam difícil o outro se mover ao nosso lado sem que nos incomode. Ele precisa ser imensamente atento, ou infinitamente delicado, para não causar nenhum atrito. Mas então, coitado, não seria humano. Seria alguém apenas tentando nos satisfazer – e rapidamente nos encheria de tédio.


Seres humanos inteiros, à vontade no mundo, disputam espaço mesmo com aqueles que amam. As pessoas se esbarram, se batem – no sentido figurado da palavra, por favor – e dessa refrega permanente, imperceptível para quem olha de fora, emerge a relação propriamente dita. Ela é o resultado de uma disputa constante e de uma colaboração incessante. Por isso é intensa e contraditória, por isso é viva – e por isso necessita, desesperadamente, do mecanismo apaziguador do perdão.


Somos terrivelmente exigentes com as pessoas que dividem a vida íntima conosco. Os nossos chefes, os nossos colegas, os nossos amigos gozam de uma tremenda margem de tolerância. A peguete, o bonitão que aparece de vez em quando, esses gozam de crédito para errar. Mas a namorada e o marido, aqueles que fazem parte da nossa vida, não. Esses não podem pisar fora da linha. Somos vigilantes e intolerantes com eles. Insuportavelmente intolerantes. Por isso é tão essencial que perdoemos - porque os estamos julgando e condenando a cada par de minutos, de uma forma que não fazemos com os demais.


Bem, às vezes as pessoas próximas nos fazem coisas graves. Elas nos machucam e traem a nossa confiança. Às vezes nos enganam. Às vezes se enganam. O resultado é sempre péssimo e quase sempre é impossível perdoar – na hora. Mas o tempo e o convívio com os nossos sentimentos produzem mudanças. Depois de um tempo de afastamento, depois de um período intenso de saudades e de considerações, podemos estar prontos a entender – desde que o orgulho ou nosso senso moral não se interponham. É preciso ter feito certas coisas na vida para entender porque os outros as fazem. Quem nunca andou no lado errado da calçada acha que a virtude é simples. Não é.


Minha impressão é que para perdoar quem nos magoa precisamos de duas coisas – uma sólida conexão afetiva e alegria.


A conexão faz com que o outro também sinta o que nos passa. Se eu estou morrendo e a criatura está lá, morta de rir, se esbaldando, não há o que perdoar – é mais o caso de esquecer. Mas em geral não é assim. Quando as pessoas se gostam, a dor as liga. O sentimento de falta é mútuo. Quem magoou quer voltar. A saudades dói, como dizia a velha música sertaneja. Então, por que não perdoar e reiniciar?
Outras vezes, em casos mais difíceis e demorados, é a alegria que nos faz perdoar. Ela permite que a nossa vida avance, permite que a gente recomece com outras pessoas, faz com aquele sentimento de mágoa seja varrido, lavado, esquecido entre as novas sensações de prazer e de carinho, senão de amor. Enquanto a gente rola na cama insone de raiva, enquanto o ressentimento ainda queima, é impossível perdoar. Mas, se a nossa vida anda, se a gente experimenta a alegria, vai se esquecendo daquilo que nos fazia tremer de indignação ou de tristeza. Então a mágoa passa e a gente perdoa sem perceber. Aí, quem sabe, na próxima curva da estrada aquela mesma pessoa, indultada pelo nosso perdão, reaparece para nos fazer feliz.


Alguém perguntará, racionalmente, qual a importância de perdoar depois de tanto tempo, quando aquilo que doía nem dói mais, e quando a chance de cruzar o outro na nossa estrada é cada dia mais remota. Eu diria que a importância é enorme, por algumas razões.


Não se deve andar pela vida levando mágoas desnecessárias. Quem perdoa descarrega um fardo e anda mais leve, porque deixou a dor para trás. Quem perdoa também resgata, recupera pedaços de si que estavam ligados àquele que não poderia ser lembrado. Nesse sentido, perdoar permite retomar a posse de seus próprios sentimentos e memórias. Às vezes, com sorte, esse perdão abra as portas para a recuperação das pessoas na nossa vida, de um novo jeito.


Uma vez, faz algum tempo, eu almoçava com uma amiga e falamos de uma pessoa comum, muito importante para mim. Ao longo da conversa, sem que me desse conta, comecei a falar dela de uma forma enternecida e alegre, como há muito não falava. Ao fazer isso, ao me permitir lembrar, de alguma forma ficou claro o buraco que aquela mulher deixara na minha vida. Dias depois, por essa porta entreaberta, entrou um sonho, o primeiro em anos em que não havia conflitos ou brigas, apenas afeto e intimidade. Foi como um resgate. Foi como olhar para uma foto que me parecia horrível e perceber o quanto havia de beleza nela. Foram precisos quase 10 anos, mas o meu olhar, finalmente, mudara. No lugar da dor e do ressentimento, havia apenas um suave perdão.


A ELEGÂNCIA NO COMPORTAMENTO

“Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, seja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.

É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.

É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa nem fotógrafos por perto.

É a elegância desobrigada.

É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam.

Nas pessoas que escutam mais do que falam. E quando falam, passam longe das maldades ampliadas no boca à boca; nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.

É possível detectá-la nas pessoas que não usam um tom superior de voz.

Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem cumpre o que promete.

É elegante retribuir carinho e principalmente solidariedade.

Sobrenome, jóias e nariz empinado não substituem a elegância do gesto…

Não há livro que, por si só, ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.

Educação enferruja por falta de uso. Lembre-se de que colheremos infalivelmente aquilo que houvermos semeado. Se estamos sofrendo é porque estamos colhendo os frutos amargos de semeaduras errôneas.

Fique alerta quanto ao momento presente. Plante apenas sementes de sinceridade, de elegância e de amor, para colher amanhã os frutos doces da alegria e da felicidade.

Cada um colhe exatamente aquilo que plantou.”



(Extraído da coluna PSICOLOGIA, do dr. J. Moreira, publicada às segundas-feiras no jornal O DIA, do Rio de Janeiro)