Esses dias, a convite de minha
comadre Rute Sampaio, eu estive na vila de Alter do Chão passando um final de
semana. Contagiada pela alegria e jeito despojado de minha comadre, me embalei
no carimbó, aderi aos vestidos e saias longas, contemplei o por do sol,
o nascer do sol entre as flores, além é claro de desfrutar da deliciosa
companhia de minha afilhada Natalie e meu postiço sobrinho Luan. Junto deles
falamos de tudo, de fé, religião, filosofias de vida, política, geografia,
biologia e outras coisas mais. Enfim, em tão pouco tempo desfrutei de bons e
grandes momentos. Encontro perfeito com um dos seres mais preciosos da
natureza, o ser humano. Mas enfim, deixando um pouco Natalie e Luan de lado,
quero falar aqui de algo que me trouxe essa reflexão de vida, justo em um dos
momentos não muito bons da minha vida. Um momento que a dúvida me cercava os
sentidos e me domava por uma louca
vontade de mandar tudo e todos “para a
puta que pariu”, só que isso faz parte
de outro departamento, contexto e que não me convém expressar neste momento.
Porém, em meio a essa minha busca
louca imposta por esse sistema desajustado de tanta ganancia, disputa de egos, algo
muito forte me chamou a atenção em Alter do Chão. Nas três noites em que fui à
praça apreciar e dançar o carimbo, pude
observar e refletir sobre o modo de viver e de ser feliz. Aqui me refiro ao
sentimento de liberdade, que muitas vezes não podemos usufruir, ou expressar.
Por N motivos... Seja pela condição social, profissional, pessoal ou algo
assim. O que nos priva o desfrute de grandes e especiais momentos. Dessa forma
seguimos sob as fortes grades de um sistema, que nos oprime e sufoca nesse incessante
desejo de ter sem nos permitir ser.
Ao falar em ter, falo agora do que
observei e que me levou a vir aqui escrever. o povo hippie, que faz circo, e mora em Alter do Chão. Entre o toque do tambor e da calorosa voz de
mestre Chico Malta e banda, regado a uma estúpida Tijuca gelada, de longe, observava
aquele povo atentamente. Homens, mulheres, jovens, até crianças ali unidas,
todos juntos, como uma comunidade ordenada naquele espaço. Cada um e cada uma
com uma função dentro do imaginário circo armado e lá se apresentava com seu
equilibrismo, seus malabares. Porém, em
cada ação movida por eles e elas minha mente viajava nas muitas reflexões. Observava
quantos sorrisos, sorriso em cada rosto
que dava o ar e a graça da arte. A
alegria de estar ali partilhando o que de melhor eles sabem fazer o circo, a
arte. Tudo isso, apenas bonificados pela
gorjeta de alguns fregueses contagiados, como foi o caso do pequeno JP que ia
no ouvido da avó pedi o trocado para levar ao rapaz equilibrista, que no microfone também narrava cada cena do espetáculo. E ao
final, o mais gratificante, foi vê-los pegar
aquele pouco que ganharam, comprar pizza
e essa ser cortada em dezenas de pedaços
e com todos e todas ser partilhada. Bela lição de vida aquela turma me
dava, mesmo no anonimato!! Enquanto, lá da mesa, sentada, apenas observava cada passo, cada gesto
daquele povo tão livre e ao mesmo tempo tão feliz. O cheiro forte de suor dos corpos
suados, da roupa suja ou mal lavada, eram detalhes que pouco me importava, naquele momento. Só estava focada na
felicidade que estava expressa no rosto daquele povo ali sentado na calçada,
com rostos e expressões únicas. Mesmo sem banho perfumado, sem roupa de grifes,
em cada um e em cada uma, além do brilho
pessoal, se somava ao brilho da noite cariciada pelo sereno a contagiá-lo (la), em meio, aqueles
doces e breves momentos.
O mais interessante ainda era ver a
qualidade do amor próprio que há em cada um e cada uma, se ninguém aplaudia
logo pediam aplausos e a plateia se contagiava. Enquanto os demais hippies
vibravam entusiasmados em cada novo espetáculo. Quanta amizade e solidariedade
há naquele povo. Então, cada vez mais curiosa, fiquei com vontade de saber o
que seria felicidade para eles. Então, em particular, chamei uma das moças hippie e perguntei baixinho: o que é felicidade
para você? E ela sorrindo me olhou e simplesmente respondeu: “Felicidade é
viver”. Agradeci a resposta e ela me brindou com um sorriso mais lindo ainda. E
na simplicidade daquela resposta e gesto encontrara eu, o cicatrizante de minhas maiores dores e a
cura das feridas que estavam a atormentar minh’alma. “Felicidade é viver”. Frase
essa que , a todo instante, ficava se repetindo em minha mente. Realmente a vida é o sentido de tudo. Se
esquecermos de viver não seremos felizes.
Enquanto buscamos tanto para
adquirirmos essa tal felicidade tão almejada, aquele povo sendo ali absurdamente feliz com tão pouco. Para eles e elas o que importa é somente a
liberdade de viver. E alguns presunçosos
diriam: “ áh, são mesmo é um bando de maconheiros, fedorentos, desleixados”, não tenho
vergonha nenhuma de dizer, que também pensava assim. Porém, hoje os tenho como
inspiração de vida, do sentido de ser
feliz com tão pouco. Se eles e elas não usam perfumes, eu pergunto: quem disse
que o perfume é essencial? O sistema foi que nos impôs
esses costumes mercantilistas, o hábito de se depilar, se perfumar, ter
casa para morar etc. E eu tão preocupada com tantas coisas supérfluas, enquanto
tenho em meu ser e ao meu redor tantas coisas preciosas para desfrutar...
Ver o por do sol, conhecer gente de
outros estados, fazer novas amizades foi
muito maravilhoso. Porém, melhor que
isso foi à reflexão que trouxe na mente, de que posso ser feliz com esse monte
de coisas que tenho. A exemplo deles e delas, após desfazer o cenário do circo, se despem da fantasia e se deixam
embalar pelo ritmo do carimbó esbanjando a mais pura alegria. Assim seguem
desfrutando da vida e de tudo que ela dá dia a
dia, a graça de viver.
Sinceramente foi revigorante estar em Alter do
Chão, mesmo sem ir à praia, sem tomar banho no Rio Tapajós, voltei de alma bronzeada
de muito amor, compreensão e o mais interessante, voltei com a áurea renovada e novos pensamentos a
respeito da vida. Às vezes, nos importunamos tanto por um ego ferido e, ou melindragem
tão insignificantes que nos esquecemos de olhar novos horizontes com novas
dimensões e que vão além de tudo isso. Nunca me senti uma pessoa egoísta,
gananciosa, mesquinha, mal amada ou coisa assim, mas muitas vezes já me senti
angustiada por me julgar impotente diante de situações tão simplórias, mas que
o fato de não ter me fizera revoltada,
enfim isso poderá ser narrado em outro texto. Por enquanto quero só desmontar o circo, tirar a fantasia e a
exemplo do povo hippie, me embalar na alegria
da vida, no sentido pleno de viver e ser feliz, como bem disse Michelle, com um
belo sorriso naquele rosto suado
após muitos passos carimbolados... Não me tornarei uma hippie, claro, mas certamente a partir de agora olharei a vida, ainda, com mais sentido e significados. Um olhar concreto, de que viver
ser feliz é um grande barato... Então, senhoras e senhores, um brinde a vida,
um brinde à felicidade, vai começar o espetáculo...
Obrigada meu Deus, pela felicidade intensa que me proporciona em cada novo dia em que posso acordar e ver uma nova manhã, e viver...
Socorro Carvalho