quarta-feira, agosto 17, 2016

O CASAL MAIS BONITO DO BAR

Quando a coisa se desenrola de maneira tão gostosa que não tem como não olhar e se enganar

A cena comovia o bar todinho. Não que fosse um baita bar grande e cheio de gente. Era um estabelecimento modesto e miúdo para uma dezena e meia de pessoas, quando muito, local justamente frequentado para se ter mais discrição e intimidade. Quando o casal entrou, trouxe consigo um bloco maciço da chuva que caía do lado de fora e molhou todo o recuo em frente ao balcão. Ensopados, torceram os casacos em frente ao pendurador e se sentaram em uma mesinha para dois, bem de canto, ao lado da janela. Ele pediu uma cachaça e ela vodca em um copo alto e com bastante gelo. 

E passaram a conversar.

Que magnetismo para os olhos alheios. Ela deu uma chacoalhada nos cabelos e mais gotas se soltaram pela mesa e na janela. Ele a ajudou colocando para trás umas mechas coladas na testa. Quando as bebidas chegaram eles já estavam embalados em algum assunto que os fazia rir, como se estivessem recordando algo por conta da atual situação de molhados ou de sozinhos sentados em uma mesa. Íntimos. E seguiram num papo tremendamente cadenciado, uma troca simétrica de ideias, o ritmo certo entre palavras e silêncio, como se estivessem se apresentando em um daqueles teatros moderninhos e sem palco, como se já soubessem desde muito tempo o que o outro gostava, como gostava.

Os gatos pingados que estavam no bar não conseguiam mais prestar atenção na televisão sem som ou em seus próprios pensamentos mergulhados nos copinhos com restos de destilados. A atenção toda estava concentrada naquela mesinha de dois lugares, no jeito com que ele apontava para ela quando parecia afirmar algo ou quando ela se ajeitava na cadeira trocando o cruzar de pernas, em como as mãos deles volta e meia se tocavam no cantinho da mesa, o dedinho dela resvalando nas costas da mão grande dele.


Alguma entoação dele fez com que ela o chutasse na canela embaixo da mesa e fizesse uma careta, daquelas caras feias que se faz enquanto se está sorrindo, denunciando a clara intenção de não brigar, mas de provocar. Parecia que o resto do bar estava embalado a vácuo. Nada se mexia, ninguém ousava respirar mais forte para cortar o barato dos dois. Que clima. Que delícia. De repente, ele se levanta da cadeira e canta para todo mundo ouvir "when a man loves a woman" sem a mesma desenvoltura do Michael Bolton, mas com o mesmo afinco. Ela deu uma gargalhada com a cabeça para trás e pediu para ele sentar. "Ai, como você é bobo", eles ouviram ela dizer baixinho. Ele se aproximou e sussurrou algo que só o ouvido dela escutou. 

Nisso, o garçom se aproximou com um pequenino castiçal de madeira e uma vela gordinha de chama tremida em cima. Tinha uma lateral maior que a outra, denotando já ter sido acesa antes. Desculpou-se por interromper e colocou a vela na mesa. "É que vocês estão tão bonitos juntos que, assim, acho que vai fazer uma noite mais romântica pro casal. Estão comemorando algo?". Tinha no rosto um sorriso quase infantil, as mãos atrapalhadas, sem saber se as enfiava nos bolsos ou se ficava a secá-las no pano de prato. 

"Mas nós não somos um casal", disse ele. "Não?", devolveu o garçom, coçando a careca. "Mas vocês vão ser, está na cara", insistiu. "Não, nós somos só amigos", ela devolveu. O garçom torceu a cabeça e fechou um dos olhos. "Mas vocês nunca namoraram?". Ambos balançaram a cabeça negativamente. "Nem nunca tentaram? Nunca pensaram nisso? Não teve algum dia que se olharam e viram o casal perfeito que são juntos?". Devolveram-lhe a mesma resposta das perguntas anteriores.

O garçom se desculpou novamente, soprou a vela e tomou de volta o castiçal. Já de costas, virou-se uma última vez. "Nadinha?". 

Nadinha.

O amor. Tem vez que nem precisa de muito.