A Decisão do Conselho Superior de
Ensino Pesquisa e Extensão sobre o Calendário Acadêmico da UFOPA foi madura
porém exige compromissos de todos. É o preço cobrado pela luta, e pela
democracia.
No início de seu segundo semestre
letivo de 2016, já comprometido com as paralisações de 2015, a Ufopa se viu
novamente diante de um quadro conjuntural nacional de lutas, desta vez contra a
Emenda Constitucional que reduz gastos públicos primários e afeta investimentos
em áreas fundamentais como educação e saúde pelos próximos 20 anos, e
modificações no Ensino Médio sem discussões coletivas validadas pela sociedade.
Quadro este que tem gerado manifestações, ocupações e greves no Brasil inteiro.
Em Santarém, mesmo que de forma
parcial, a ocupação da unidade da Ufopa que abriga o maior volume de atividades
administrativas e concentra vários cursos, desde o dia 3 de novembro, afetou
drasticamente o cotidiano da universidade. Em seguida, no dia 15, a ocupação se
expandiu para a unidade Rondon, que é simbólica por abrigar os cursos
destinados a formação de professores, um dos segmentos mais temerosos com o
futuro Pos emenda constitucional e pos reforma do ensino médio.
Como em outras universidades
federais, a administração superior passou a fazer gestões buscando dialogar com
os manifestantes e ao mesmo tempo conter atitudes irrefletidas dos que não
concordam com estas formas de manifestação, e exigem o direito de ir e vir, e
de terem as aulas quando os professores estejam dispostos a ministrar, mesmo
que uma greve tenha sido deflagrada pela categoria por meio da entidade que os
representa.
O diálogo mediado pela reitoria
em colaboração com os dirigentes das unidades acadêmicas afetadas mostrou-se
eficiente quanto a evitar enfrentamentos físicos e acirramento de ânimos entre
os diferentes grupos, e em compreender que todos são membros de uma mesma
instituição e merecem ser ouvidos, especialmente por terem pontos de
convergência na causa geradora das manifestações, discordando porém nos métodos
de luta quando estes atingem também as vítimas do problema contra o qual todos
desejam combater.
A continuidade das ocupações,
somadas com a deflagração de greve inicialmente pelos servidores técnicos
administrativos e em seguida pelos docentes, e ao fato da maioria dos
estudantes terem se posicionado pela não suspensão do calendário acadêmico
Institicional, levou o assunto para ser apreciado pelo Conselho Superior de
Ensino, Pesquisa e Extensão, órgão máximo deliberativo sobre esta matéria.
O Conselho é constituído por
membros da administração superior, pelos dirigentes das unidades acadêmicas e
pelas representações de todos segmentos que constituem a comunidade
universitária. Após apreciar exaustivamente a situação, em reunião que se
prolongou por dois dias, o Consepe, por maioria, decidiu não cancelar e não
suspender o Calendário acadêmico de 2016, apenas reconhecendo sua atipicidade.
O resultado ao qual chegou o
Consepe expressa um amadurecimento da democracia, com todas as limitações que
ela comporta, mas também com todas as suas virtudes. O principal, a meu ver,
foi o máximo respeito às diferenças, e a busca de entendimentos para que os
prejuízos não recaiam apenas sobre uns, ou em maior intensidade aos que se
colocam na vanguarda da luta contra o que é tido por opressão e injustiça.
O problema é que temos
dificuldade em lidar com essas situações quando elas batem à nossa porta. Nesse
momento aparecem os que creem ser possível resolver o impasse com uma proposta
iluminada, definitiva e inconteste.
Só que essa proposta não existe,
ou não resiste quando submetida ao processo democrático. É até possível uma
solução que agrade a um grupo, seja qual for, e que sob a sua ótica seja a
melhor, desde que impondo aos demais. Mas neste caso, não seria democrático.O
que se obteve no Consepe foi uma Resolução amadurecida, com maximização de
empenho para que houvesse respeito a todas as posições, reconhecendo-se que
nenhuma é portadora de uma verdade incontestável.
Manter o calendário inalterado
seria impossível, uma vez que já tem pelo menos três em andamento.
Não reconhecer que estudantes
votaram em maioria pela não suspensão do calendário seria um profundo golpe
contra a expressão livre que assumiram; Não permitir aos que deflagraram greve
poder exercer esse direito seria desconsiderar tanto a legislação que ampara
essa forma de luta quanto a história que nos mostra porque frequentemente temos
que recorrer a ela; Suspender o calendário acadêmico traria implicações
drásticas quanto a continuidade de pagamento de bolsas e auxílios, assim como a
realização de atividades que fogem completamente a nossa margem de negociação,
tais como finalizações de prazos para execução orçamentária ou prestação de
contas, bem como estágios, bancas de qualificação e defesa, etc.
Por toda a complexidade que é o
Calendário Académico de uma universidade, a decisão tomada na Ufopa não é
exceção e muito menos em falta de sintonia com outras IFES que estão vivendo
contexto similar. Declarar atípico o Calendário é reconhecer suas
peculiaridades, é reconhecer direitos, inclusive dos que assumem as diversas
formas de luta, e também pactuar um entendimento prévio a ser realizado quando
cessar a causa motivadora da atipicidade.
Na prática, a atipicidade garante
que as aulas desse semestre sejam mantidas em situações em que estudantes e
professor assim desejem; garante ao grevista não ministrar aulas; garante ao
ocupante realizar suas manifestações mas sem impedir que as aulas aconteçam por
livre opção de professores e estudantes. Mas também deixa claro que esse
conjunto de direitos assegurados implica em obrigações, em compromissos, em
ônus para todos, em algum momento e de alguma forma. O de maior impacto é, sem
dúvida, o processo de ajuste no Calendário de maneira que volte a ter
regularidade e uniformidade nas datas de início e término, bem como na
realização de importantes atividades institucionais. Isso pode ocorrer a curto,
médio ou longo prazo. Mas terá que ocorrer. A atipicidade foi decidida
considerando o calendário em curso. O Consepe quando deliberar sobre o próximo
calendário letivo terá que debater novamente considerando as diferentes
situações. Desta forma, muito provavelmente, quem não parou agora em algum
momento vai precisar pelo menos desacelerar. E quem parou terá que apressar o
passo, para que ambos voltem a caminhar conjuntamente.
Para isso foi constituído um
Grupo de Trabalho no âmbito do Conselho, formado pela PROEN e Dirigentes das
Unidades Acadêmicas, para mediar situações que exijam acompanhamento mais de
perto pelas pessoas estarem com maior dificuldades em compreender a decisão.
Por fim, a solução pode ser mais
próxima ou mais distante dos desejos individuais, mas é a mais representativa
do esforço de entendimentos e da prática de democracia que conseguimos. Não é
nada simples. Reconheço que é polêmica, que não agrada a todos. Mas penso que
merece respeito. Dela poderá no futuro emergir algo superior.
Prof. Dr. Anselmo Alencar Colares
Vice Reitor da UFOPA