segunda-feira, julho 30, 2012

ESCALADA DA VIOLÊNCIA’ – A CRIMINALIZAÇÃO E O MEDO COMO FORMA DE CONTROLE SOCIAL


Essas duas últimas semanas me deixaram deprimida e com um intenso sentimento de impotência diante de casos de assassinatos cometidos por policiais e por bandidos que expressam inequivocamente apenas a vontade e o prazer de matar. Impressionou-me a manifestação clara do poder de matar, do exercício desse poder diante de um outro totalmente frágil, sem condições de defesa e apavorado. Emerge de assassinatos ocorridos neste mês de julho, como os de Tomasso Loto, Ricardo Prudente, Bruno Vicente Gouveia Viana, Márcia Calixto Carnetti e seu filho de 5 anos, o prazer explícito de exercer o poder de fazer sofrer e dispor da vida como realização absoluta de um gozo humano. Uma frase de Terêncio sempre me inquietou: "nada do humano me é estranho”. Mas, isso não explica o que estamos vivendo no Brasil.

A violência social e cultural que estamos testemunhando não é nem uma questão cósmica nem uma questão individual. Estamos diante de um fenômeno historicamente construído, cujo entendimento deve ser buscado no processo de formação da sociedade brasileira articulado com a sociedade individualista e consumista atual. Esse entendimento deve ser abordado pelo pensamento, pelo sentimento e pela ação, como propõe Ricoeur ao refletir sobre o mal. Diante do sentimento de incapacidade de entender e conviver com tanta violência e maldade me sinto desafiada a buscar explicações. É o que me resta, pois não acredito que a violência seja uma qualidade humana, mas sim um potencial humano que se estrutura e se manifesta em condições sociais bem determinadas, podendo se tornar maldade, perversidade. Mas também não se pode atribuir todo o crédito a essas condições sociais e retirar dos sujeitos a sua responsabilidade, pois envolve também um aspecto ético e moral – é uma problemática da liberdade.

Todas as vítimas publicizadas são pessoas comuns, jovens, trabalhadores/as, sonhadores/as, que sofreram e perderam suas vidas num instante fugaz, resultante de algo que escapa ao nosso controle e compreensão. Os noticiários sobre estes casos estão disseminando um clima de intenso medo social e impotência, mais do que indignação. Mas, entre os acontecimentos, os seus significados e os noticiários existe uma engrenagem que nos escapa. A verdadedos fatos pode conter algo de capcioso.

No Brasil, segundo Vera Malaguti, a polícia sempre inspirou segurança às elites e terror na população. Nos dias atuais ela está também aterrorizando as elites por seu fracasso institucional. O feitiço virou contra o feiticeiro? Ou, a lógica do terror e do medo está consumada e generalizada? E, embora atinja também a elite, é um "mal necessário” para a continuidade de um sistema desigual, excludente e anticidadão? A estratégia histórica de usar o medo como mecanismo de controle social é irreversível? Em outras palavras, a violência social que no Brasil foi construída e representada de modo a disseminar o medo e a criminalização dos pobres para justificar políticas autoritárias de controle social, como nos faz ver Malaguti, pode ser desconstruída? Um elemento estruturante do imaginário brasileiro é construir os dominados, hoje os pobres, os habitantes das periferias, sobretudo os mais jovens, como perigosos, brutos, sem direitos e sem condições de viver civicamente.

A ideologia da criminalização da pobreza e da disseminação do medo se internalizou não só nas instituições como nos sujeitos sociais, inclusive nos próprios pobres e nos criminosos. A violência sempre teve e continua tendo eficácia simbólica para medidas autoritárias, funcionando como estrutura de troca entre classes e entre indivíduos. A população pobre brasileira tem sido deslocada na última década, de sua condição de absoluta exclusão passando a se reconhecer como um sujeito cidadão, com direitos, deveres, compromissos, vida própria e desejos. Mas, contraditoriamente, essa redução da desigualdade social não se expressa nos dados como redução da violência urbana. Isso rompe o elo pobreza-criminalidade, ou não?

Como entender essa aparente contradição de reprodução e até ampliação da violência numa conjuntura de redução da pobreza? Tudo isso mostra que o olhar sobre a conflitividade social é feito por uma ótica criminal, penal, dirigida a grupos específicos da população. A violência produz o medo, que produz a insegurança, que promove um lucro imenso para a indústria de segurança pública e particular, desde tecnologias de vigilância, produtos bélicos, empresas de segurança, prisões, forças policiais, além de difundir um imaginário social autoritário e reacionário e temeroso da liberdade e da felicidade.

A criminalização atualmente não atinge apenas os pobres, toda a sociedade é criminalizada e as forças de segurança se investem do poder de predizer, prejulgar, ignorando a condição de cidadania, quando esta sim, é que deveria ser a norteadora das suas condutas. Assim, atiram e matam antes de perguntar. A violência e o medo como formas de comunicação definidoras de relações sociais transferem-se para as relações pessoais reproduzindo a brutalidade, a truculência como forma de resolver conflitos: criminosos matam pessoas que roubam e também as que não conseguem roubar, matam-se em disputas de território ou desentendimentos; homens matam mulheres e homossexuais e assim diversos outros sujeitos sociais matam e violam os semelhantes ou dessemelhantes como rotina da vida intima, amorosa, familiar e social. Vale a pena assistir o vídeo da professora Vera Malaguti Batista no Café com Filosofia, para entender a historicidade desse imaginário do medo, antes de pensar em pena de morte, aumento de policiamento, mais prisões, redução de maioridade penal... Necessário é entendermos a produção social da criminalidade, a orientação política da segurança pública e a função social do medo e da insegurança no Brasil. Por fim, será apenas coincidência que esta ‘escalada da violência’ e o clima de medo e insegurança sejam propagados em período de eleições, quando tem ocorrido um avanço das forças mais democráticas no país?

Para espantar o medo, cantemos com Catedral: "Não me diga que o mundo anda mal hoje eu nem quero ler o jornal”...

Maria Dolores de Brito Mota
Professora Associada da Universidade Federal do Ceará. Instituto de Cultura e Arte
 
Fonte: Adital

PROCURA DA POESIA


 “Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará
 sua forma definitiva e concentrada no espaço.”

Carlos Drummond

REFORMA POLÍTICA E ELEIÇÕES MUNICIPAIS


É ingenuidade pedir ao poder para se autorreformar. Poder e governo são que nem feijão, só funcionam na panela de pressão. O fogo que o aquece e provoca modificações em seu conteúdo tem que vir de baixo. Da pressão popular.

Por isso, o Congresso empurra com a barriga a reforma política. Medo de que qualquer alteração nas atuais regras do jogo venha a diminuir o poder de quem agora ocupa o centro do palco político. Como está é ruim, mas como estará poderá ser pior para quem ousar propor a reforma.

Na falta de reforma política, o que vemos em torno não é nada animador. A democracia reduzida a mero ritual delegatário, os partidos cada vez mais parecidos entre si, os discursos cheios de palavras vazias, e o eleitor votando em A para eleger B, considerado o quociente eleitoral.

Na verdade, nem é justo falar em democracia, e sim em pecuniacracia, já que o dinheiro exerce, somado ao tempo disponível na TV, poder de eleger candidatos.

Estimativas indicam que, na capital paulista, apenas dois candidatos à prefeitura, Serra e Haddad, gastarão, juntos, R$ 118 milhões.

De onde jorram tantos recursos? É óbvio, de quem amealha grandes fortunas – bancos, empresas, empreiteiras, mineradoras etc. Cria-se, assim, o círculo vicioso: você investe em minha eleição, eu na sua proteção. Eis a verdadeira parceria entre o público e o privado. Como se constata na CPI do Cachoeira e nos cuidados que os parlamentares tomam quando é citada a Construtora Delta.

A pasteurização da política faz com que ela perca, a cada eleição, a sua natureza de mobilização popular, para se transformar em um negócio administrado por marqueteiros e lideranças partidárias. As "costuras” são feitas por cima; os princípios ideológicos escanteados; a militância é substituída por cabos eleitorais remunerados; os acordos são fechados tendo em vista fatias de poder, e não programas de governo e metas administrativas.

O eleitor é quem menos importa. Até porque a ciência do marketing sabe como manipulá-lo. Todos sabemos que o marketing consegue induzir as pessoas a acreditarem que a roupa do shopping é melhor do que a da costureira da esquina; refrigerante com gosto de sabão é melhor que suco de frutas; sanduíche sabor isopor é melhor que um prato de saladas.

Do mesmo modo, os candidatos são maquiados, treinados, orientados e produzidos para ocultar o que realmente pensam e planejam, e manifestar o que agrada aos olhos e ouvidos do mercado eleitoral.

A falta de reforma política impede inclusive o aprimoramento de nosso processo democrático. No Congresso, em decisões importantes, como cassação de mandatos, o voto é secreto. E isto é absurdamente constitucional. Princípio que fere a própria natureza da democracia, que exige transparência em todos os seus atos, já que os representados têm sempre o direito de saber como procedem seus representantes.

Hoje, no Brasil, o deputado e senador que você ajudou a eleger pode votar a favor e declarar ter votado contra. Mentir descaradamente. E agir segundo interesses escusos – tão frequentes nesse regime de pecuniacracia.

Há, contudo, uma novidade que escapa ao controle dos marqueteiros e das lideranças partidárias: as redes sociais. Através delas os eleitores deixam de ser passivos para se tornarem protagonistas, opinativos, formadores de opinião.

Uma sugestão ao eleitor(a): nessas eleições municipais, escreva em um papel 10 ou 20 exigências ou propostas a quem você gostaria de ver eleito vereador e prefeito. Analise quais prioridades merecem ser destacadas em seu município: Saneamento? Educação? Saúde? Creches em áreas carentes? Transporte coletivo? Áreas de lazer e cultura?

Caso tenha contato direto com candidatos, pergunte a ele, sem mostrar o papel, se está de acordo com o que você propõe para melhorar o município. Se ele disser que sim, mostre o papel e peça que ele assine.

Você verá o resultado.

[Frei Betto é escritor, autor de "Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.

Fonte: Adital