Certa vez, um
lendário Boto resolveu dançar numa festa lá pras bandas do Imperial, próximo ao
Paraná de Baixo, no Município de Óbidos. Lá estando com seu terno branco e
chapéu na cabeça, aproximou-se de uma linda moça debruçada no parapeito da
casa, e perguntou-lhe:
- A senhorita
sabe dançar?
A moça,
olhando bem nos seus olhos, com uma voz macia, lhe respondeu:
- Embora sejas
um rapaz formoso e atraente. Desculpe, não costumo dançar com qualquer
estranho.
Mas o Boto
transformado em homem não desistiu, ficou muito impressionado com tanta beleza
em sua frente, então quis saber seu nome, e perguntou-lhe onde morava. A moça
então lhe respondeu:
- Moro num lago,
bem ao lado da cidade presépio. Para dançar comigo cavalheiro, primeiro tens
que me provar ser um bom dançarino. No entanto, o meu nome, distinto, jamais
saberás.
O homem-boto
nunca havia se deparado com uma moça tão misteriosa, percebeu que não seria
nada fácil encantá-la. Ao contrário, estava impressionado, jamais tinha visto
uma moça com beleza tão rara, e sutil personalidade. O interesse por aquela
jovem ficou latente. Sabia, contudo, que estava diante de um ser especial, uma
moça diferente daquelas casuais com quem sempre encontrava nas festas do Paraná
de Baixo. E para se mostrar, aproveitando a alegria do maxixe executado pela
“pau e corda”, pavulamente resolveu tirar outras moças para dançar e demonstrar
suas habilidades de dançarino, que comumente fascinava as tapuias.
Depois de uma
voltinha pelo salão, resolveu procurar aquela moça formosa outra vez, mas para
sua tristeza, percebeu que não se encontrava mais no recinto, desaparecera.
Decepcionado, procurava-o por todos os lados, e, finalmente, olhando para o
estirão vazio, restou-lhe uma voraz indagação. Quem seria, afinal, aquela
preciosidade de moça bela e misteriosa?
Ademais, o
Boto transformado homem jamais deveria se esquecer, as 4:00 da matina, haveria
de voltar para as águas barrentas do rio Amazonas. E como festa em Óbidos
jamais acaba na hora prevista, sempre tem aquela coleta para o Conjunto levar
mais tempo tocando, foi quando um dos patrocinadores resolveu levar o
"arrasta-pé" até as cinco da manhã.
Nesta altura,
um famoso caborges curandeiro da região chamado "Estelino Espanta
Raio", alcunhado também de “alma do vento” natural lá do São Raimundo, na
encosta de Óbidos, segundo dizem, morador dos rios, das matas, e do infinito,
este, se deparou com o homem Boto, e ao reconhecê-lo, disse-lhe:
- Ser
encantado das águas, o que estás fazendo até estas horas nesta festa? Não sabes
que quando fores descoberto, corres o risco de ser morto neste salão.
- Acho que o
feitiço virou contra o feiticeiro, disse o homem-boto. Vim aqui na esperança de
encantar uma moça, e acabei encantado. Não sei seu nome e nem seu
paradeiro...estou desesperado.
Foi Alma do
Vento então que lhe segredou e confortou, dizendo-lhe estas palavras:
- Reza a
tradição no sertão destas paragens, que quando o ser das águas se apaixona de
verdade, mas de verdade mesmo, nunca mais volta a ser peixe, vira bicho-homem
pra sempre, feito um índio.
Nem bem o dia
clareou, o homem Boto já era totalmente um índio Pauxis. O terno sumiu do seu
corpo, o chapéu branco que escondia o furo da sua cabeça transformou-se numa
linda cabeleira negra sobre os ombros.
Lembrando do
que aquela moça misteriosa lhe disse, partiu rumo a cidade de Óbidos, na
esperança de encontrá-la. Primeiro foi a procura do lago onde ela morava. Lá
chegando, para sua surpresa, encontrou o lago ao lado de uma serra bonita, a
Serra da Escama, onde o seu verde musgo contrasta com o bordado amarelo de
florido pau d'arcos. O índio então resolveu morar bem na aba da serra.
Numa noite
enluarada, ouviu um cantar misterioso vindo da beira do lago, bem próximo a um
Cutiteiro, e resolveu se aproximar para conhecer quem estava cantando.
Ao chegar
perto, avistou uma linda moça, com todo o esplendor que a sua alma sonhava, e
logo a reconheceu. Não tinha dúvida, era a mesma que conhecera naquela noite
deslumbrante. Ali estava enigmática, a moça misteriosa da festa do Imperial.
Agora metade mulher, outra metade peixe. O índio todo surpreso e apaixonado,
não resistiu, tomou-lhe nos braços e deu um beijo na sua boca. A moça Yara lhe
abraçou firme e com sua voz macia declarou as seguintes palavras:
- Teu olhar
cósmico atrai minha vida passageira das galáxias dos sonhos. Mergulho num mundo
de espelhos de diferentes formas e tamanhos. Ao olhar para eles, não consegui
enxergar meu reflexo. Tudo o que vejo é a tua alma sorrindo para mim...num
processo de encantamento sem fim. E assim há de ser... porque és quimera do meu
querer. O doce encanto que dá vida a vida. O prenúncio sempre presente da
paixão. Por isso digo: TE AMO! Para que apaixonadamente o conduza ao sabor da
mais louca emoção. Emoção de amar! Emoção de querer! Emoção de fazer da vida um
banquete de magia e prazer. Esses versos são teus...Índio encantado da Serra da
Escama, você é o amor da minha vida.
E num passe de
mágica, a parte peixe da cintura pra baixo, foi se transformando num corpo de
mulher completa. Os dois então se abraçaram, e depois se beijaram muito e
fizeram amor na prainha de areia branca, perto do Cutiteiro, sendo
testemunhados apenas pela luz do luar. A Yara do Laguinho então viveu pra sempre
ao lado do seu Índio da Serra da Escama, apaixonados e felizes.
Por isso,
acolhe a tradição da moça obidense que vai se casar, para ser feliz no
casamento, primeiramente, tem que tomar um banho com o seu pretendente na beira
do Lago Pauxis, ao lado da Serra da Escama. Dizem que dá sorte, numa reverência
carinhosa a essa história. Uma coisa é certa, segundo afirma uma antiga e
conhecida parteira do lugar, Sra. Maria Zoraya:
- Hum hum!
Pode até não ser feliz, mas moleque na barriga, com certeza vem...
Por Eduardo
Costa
Compositor,
cantor, escritor e poeta obidense.
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