quinta-feira, janeiro 03, 2013

SONETO DA CONCUPISCÊNCIA


Fremem meus bagos, lascivos contornos
- acesos, gordos, cheios no crescente;
e negam o crepúsculo dormente
e clamam sangue em danças de retornos.

Cada fibra que enfurnece o meu todo,
molduras sensuais e de paixão
fali o lume em renhida decisão:
a de ater-me ao celeste deste lodo.

Avulto-me então: corpo que se entrega.
e fúlvido, elástico, manso, calmo,
forcejo-o nos brios e ele se nega.

Calma! Sensatez! Acaricia o arroubo.
Evita a pressa, contorna a imprudência,
e cede amor, negando um grosso logro.
 
  Adolfo Maurício

A VIDA É ASSIM...



“Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que se mais ama. Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.”


 Bob Marley


RENOVAR O ANO NOVO


O mundo inteiro faz festas de ano novo. A maioria da humanidade segue o calendário ocidental e festejam o 1º de janeiro. Mesmo os habitantes do hemisfério sul, onde o solstício do inverno ocorre em junho e não no final de dezembro celebram as festas de ano novo junto com os povos do norte. Judeus, islamitas, chineses e outros, têm calendários próprios, mas, nesses dias de festa, se unem à maioria da humanidade e celebram conosco o ano novo.

As culturas antigas valorizavam muito o símbolo do ano novo. A depender do clima, era o reinício do ciclo agrícola. Mesmo em meio à pobreza ou a dificuldades da vida, o ano novo sempre recorda que todos nós temos dentro de nós o forte apelo interior para nos renovar permanentemente. Mesmo em culturas nas quais os mais velhos têm lugar de destaque, todo mundo desejaria ser sempre capaz de se renovar. Em algumas tribos, se costumavam queimar roupas usadas no ano anterior e vestir roupas novas, como símbolo da vida nova que se desejava viver. No Israel antigo, a noite de ano novo era marcada por um culto no qual, em nome de Deus, se fazia um sorteio de terras de modo que a terra fosse, a cada ano, novamente repartida entre as tribos.

Hoje, em uma sociedade que domina a eletricidade, o dia e a noite, assim como a escuridão do inverno ou a claridade do verão já não marcam mais o tempo como antigamente. Entretanto, luz e trevas permanecem símbolos de processos interiores e, no mundo inteiro, as luzes se apagam no momento do ano novo para deixar que uma luz nova nos ilumine e os fogos artísticos iluminem a noite. Então, as pessoas se abraçam e se desejam feliz ano novo. Quando vivemos o amor, a generosidade, a solidariedade e a partilha de vida, então, o nosso desejo de que o mundo caminhe para melhor se torna mais eficaz. Não temos força para mudar organizações sociais e sistemas complexos e baseados em leis estruturais, mas podemos contribuir para que se criem as condições necessárias para transformar as leis e sistemas e tornar o mundo mais justo e fraterno.

Se você quiser, de fato, que este ano seja um tempo de profunda renovação da sua vida e isso repercuta bem para as pessoas ao seu redor e para todo o universo, refaça neste início de ano novo o compromisso de, a cada dia, consagrar um tempo, por mínimo que seja, de gratuidade e interioridade para renovar um diálogo verdadeiro e profundo consigo mesmo/a, comprometer-se em ser cada vez mais uma pessoa de diálogo com os outros seres humanos, inclusive com aquelas pessoas que pensam e agem a partir de valores que não são os seus e você não aprova. O diálogo mais fecundo é justamente com os que pensam e atuam diferentemente de nós. Além disso, procure de todos os modos intensificar a comunhão solidária com a terra, a água e todos os seres vivos do planeta. Faça isso e a bênção deste ano novo se realizará em você e, a partir de você, no mundo inteiro. Você constatará, então, como se tornarão verdadeiras e fecundas em sua vida, assim como para os que convivem com você, as palavras da antiga bênção irlandesa: "O vento sopre leve em teus ombros. Que o sol brilhe cálido sobre tua face, as chuvas caiam serenas onde moras. E até que, de novo, eu te veja, que Deus te guarde na palma da sua mão”.


Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor

Fonte: Adital

FÉRIAS: DESESPERO DO HOMEM MODERNO



 
A modernidade trouxe a cultura do trabalho. O ser humano passou a ser medido pela sua produção. Aquele que não produz é um inútil. E a produção é para o consumo. Produzimos para depois consumirmos avidamente e descontroladamente. Esta mentalidade está tão entranhada em nós que nos sentimos frustrados e inúteis se não estivermos fazendo alguma coisa.

Seguindo esta lógica irracional e desumana, os homens e as mulheres de hoje vivem sempre atarefados e sentem horror do tempo livre. Por isso quando têm uma folga ou saem de férias continuam trabalhando. E se não têm nada para fazer inventam alguma coisa. Precisam passar a imagem de que não são preguiçosos, mas gente que trabalha e produz. E esta lógica se tornou ainda mais perversa com a chegada do computador e da informática. Estes criam em nós a sensação de que o tempo encurtou e que já não conseguimos dar conta de nossas tarefas. Por essa razão é preciso levar trabalho para fazer em casa. Não bastam as horas passadas no local de trabalho. É preciso trabalhar nas horas de folga.

Assim, professores não descansam nos fins de semana e feriados. Aproveitam o tempo livre para corrigir trabalhos, elaborar provas e preparar aulas. Pais e mães de família chegam em casa cansados e, às vezes, nem tomam um banho e nem dão um cheiro no filho ou na filha. Vão direto para o computador e varam a madrugada. Jovens vivem plugados o tempo inteiro na internet. Os dedos agarrados aos teclados de suas máquinas transmitem ao cérebro a sensação de que estão ocupados. Mesmo que seja numa navegação entre baboseiras e idiotices. Ainda nos fins de semana os católicos e evangélicos são convocados por padres e pastores para trabalharem de graça para suas Igrejas. O descanso semanal, mesmo sendo eminentemente religioso e cristão, não é respeitado. Ao final do processo temos pessoas neuróticas, nevróticas, estressadas e irritadas. E todos saem perdendo com essa história.

Ora, tudo isso contradiz a experiência religiosa, particularmente aquela judaica e cristã. O Deus bíblico, considerado o criador de tudo, descansa tranquilamente ao final de seu longo trabalho (Gn 2,3). E, após seu descanso, não volta a trabalhar, mas se delicia em passear pelo seu jardim, curtindo a maravilhosa brisa da tarde (Gn 3,8). Este antropomorfismo, ou seja, esta projeção de imagens e de formas humanas de ver o divino, carrega em si um profundo ensinamento. Mostra, numa linguagem oriental semita o valor fundamental do descanso e do lazer. Numa perspectiva antropológica e da simbólica expressa algo essencial para a felicidade do ser humano.

Esta mesma perspectiva pode ser encontrada na práxis de Jesus. Embora fosse alguém preocupado em dar conta plenamente da missão que lhe fora confiada pelo Pai (Lc 12,50), Jesus não se subtraia aos momentos de lazer e de descanso. Gostava de uma boa festa, de tomar um bom vinho (Jo 2,1-10) e de uma boa comida (Mc 2,15). Sua inclinação por isso era tão forte que ganhou a fama de ser um "comilão e beberrão”, metido em festas e bebedeiras com gente de "má fama” (Mt 11,19). Quando sentia muito cansaço, sabia retirar-se e isolar-se para rezar, refletir, relaxar e recobrar as forças (Mc 1,35). Queria que os seus discípulos cuidassem bem destes momentos de descanso, de lazer e de silêncio (Mc 6,31-32). E quando estava descansando e conversando com o seu grupo não gostava de ser perturbado (Mc 9,30-31). Amava parar, "perder tempo”, para contemplar e admirar as coisas mais simples da vida, como as flores dos campos e as aves que passavam (Mt 6,25-30). Divertia-se acolhendo e brincando com as crianças (Mt 19,13-15).

Precisamos, pois, recuperar o significado humano do lazer e do descanso como momentos significativos para a nossa saúde física, psíquica e existencial. Mas para tanto é indispensável, antes de tudo, simplificarmos a nossa vida, reduzindo nosso consumo e reelaborando nossa ânsia de possuir e de ter coisas. De fato, essa obsessão por trabalho e produção está relacionada ao nosso desejo de ter mais dinheiro para mantermos um padrão de vida sofisticada. Aqueles e aquelas que ainda não atingiram certo patamar de consumo se matam de trabalhar para poder consumir. Por outro lado é indispensável que os empregadores, pessoas físicas ou empresas, também diminuam a voracidade pelo lucro e não matem seus funcionários de tanto trabalhar. Afinal de contas o que importa é o bem viver e isso o dinheiro e o consumo não conseguem nos dar de forma alguma.

Pelo contrário, uma vida mais simples, sem tantas coisas inúteis, é a maneira mais simples de viver bem, com saúde e tranquilidade. Um estilo de vida no qual haja tempo para se encontrar com o Transcendente, com a pessoa amada, com o amigo e a amiga, com o filho ou a filha. Um estilo de vida no qual possamos encontrar espaço para contemplar uma flor que desabrocha, sentindo seu precioso perfume. Uma vida na qual exista espaço para olhar e apreciar o horizonte, as curvas das montanhas, o azul celeste e, quiçá, uma noite escura repleta de estrelas ou até mesmo clareada pela lua. Uma vida onde haja tempo para sair do barulho da cidade para ouvir o canto dos pássaros, o cantar dos grilos e o barulho de uma cachoeira.

Infelizmente não conseguimos suportar tanta beleza e, por isso, mesmo quando viajamos para lugares silenciosos levamos conosco a confusão da cidade. Não suportamos o silêncio de uma mata, o cantar de um pássaro e o barulhinho da água que escorre mansinha pelo córrego. Temos que ligar os potentíssimos sistemas de som de nossos carros, pois o silêncio nos dá tédio e nos causa pânico. Por isso voltamos de nossos passeios ainda mais nervosos e violentos.

E tudo isso nos impede de gozar a vida no sentido pleno e verdadeiro da palavra. De fato, segundo a tradição judaico-cristã, gozar a vida faz parte do projeto do Criador: "Goza a vida com a esposa que você ama, durante todos os dias da vida fugaz que Deus lhe concede debaixo do sol [...]. Tudo que você puder fazer, faça-o enquanto tem forças, porque no mundo dos mortos, para onde você vai, não existe ação, nem pensamento, nem ciência, nem sabedoria” (Ecle 9,9-10). É hora, pois, de repensar nossa existência, refazer nossos projetos e estilos de vida, dando mais espaço para o descanso e o lazer, para gozar a vida e curti-la bem. Isso está nos planos Daquele que um dia nos criou para vivermos no "jardim de Éden” (Gn 2,15).



*José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília.

Fonte: Adital