O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso
desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor.
Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno – depende da quantidade ingerida.
O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a
cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do
pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha.
O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com
proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a
plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da
impossibilidade – nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo
da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece.
Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos.
O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na ‘doação’. Sexo é
mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte.
Amor não exige a presença do ‘outro’. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma
‘mãozinha’. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior
solidão e na saudade. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor é uma
busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o
sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. ‘O sexo é uma selva
de epilépticos’ (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo
inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.
O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas
grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói – quando acaba a
valentia, ele vem e come. Eles dizem: ‘Faça amor, não faça a guerra’. Sexo quer
guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo.
Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte
está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.
O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as
‘saunas relax for men’. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas
provençais do século XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral
cristã.
Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é
poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti
consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao
bom
funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de
controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado
programa nossas fantasias.
Não há ‘saunas relax’ para o amor, onde o sujeito entre e se
apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um ‘amorzinho’ para iniciar. O
amor virou um estímulo para o sexo.
O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco.
Amor busca uma certa ‘grandeza’. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que
você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há ‘sexo seguro’, mas não há camisinha para o amor.
O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a
lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos
casados.
Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da
novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo
sente-se na tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda – ou não,
dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era
o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta.
Arnaldo Jabor