No momento em que o desejo se manifesta em mão dupla, o
melhor a fazer, claro, é deixar que os acontecimentos tomem o seu rumo natural.
Esse braseiro inicial pode muito bem evoluir para o fogo da paixão, o qual, se
for bem cuidado e alimentado, irá perdurar na forma de uma história de amor.
Para isso, no entanto, é preciso afastar o receio de seduzir e de ser seduzido.
Há algumas semanas, escrevi aqui sobre como o desejo é
importante no desencadeamento de uma relação amorosa. Hoje quero ressaltar que
não basta desejar, é preciso que o desejo tenha mão dupla e que cada um
internalize a atração recebida para que a sedução aconteça e, assim, a história
prossiga, podendo se transformar em amor. Nas palavras do psicanalista francês
Daniel Sibony (70), que estão em seu livro Sedução, O Amor Insconsciente
(Brasiliense), “o jogo começa quando o outro, por algum motivo que só os deuses
conhecem, incorpora o nosso desejo”.
E que jogo é esse? É aquela fase da relação em que um diz
para o outro o que ele quer ouvir, o que desperta seus prazeres e fantasias,
mesmo sem ter muita certeza sobre quem de fato é aquela pessoa, o que pensa e
deseja. É um período em que ambos seguem o insconsciente, com o objetivo único
de despertar o afeto e o desejo. Um momento em que fica difícil saber o que é fantasia
e realidade, o que é palpável ou imaginário — a distinção entre uma e outra
coisa só será perceptível quando o casal se aproximar e ocorrer o encontro.
Toda essa sedução, diz Sibony, “eterniza o desejo”. Ou seja:
não acaba na fase inicial do encontro, mas se perpetua no relacionamento,
permanece quando começa a história de amor — se ela começa, claro. Por isso é
tão importante. Faz com que o desejo caminhe de “mãos dadas” com o amor. Se ela
não acontece, como um prenúncio do amor, este esfria, o sexo deixa de existir e
os sonhos tomam rumos diferentes. Resumindo, o casal se afasta. É o desejo que
impulsiona a busca, o querer o outro junto em todos os sentidos e para todos os
planos e projetos da vida.
O que pode atrapalhar a passagem da sedução para a história
de amor? O medo, principalmente. O medo que todos temos da entrega, da dúvida
sobre se é a pessoa que procuramos, com quem sonhamos. E também o medo de o
desejo não perdurar quando a sedução “der no pé” e ficar só o amor — se ele
ficar. Isso tudo afugenta os enamorados, dificulta a entrega e a aproximação,
inibe a sedução. Uma vez bloqueado esse canal de comunicação, a relação não
anda, estaciona. E, como sabemos, quem não se envolve não se desenvolve.
O medo é compreensível. De início, ninguém sabe mesmo aonde
a “brincadeira” vai parar, o que pode acontecer dali pra frente. Sem saber e
eventualmente ressabiadas por amores frustados no passado, acendem o sinal
vermelho antes do tempo. É uma defesa. Mas é possível administrar esse medo.
Para amar, precisamos deixar que a sedução e o desejo
aconteçam, ou nunca viveremos uma história de amor. A coragem pode vir da
consciência desse fato, dessa ordem natural dos acontecimentos. Claro que vale
a pena também evitar a armadilha de confundir o que é real e com o que é
imaginário. Isso é possível, se ficamos atentos aos sinais. E no momento em que
a sedução ultrapassar a atração do corpo e cada um sentir um desejo
aparentemente inexplicável de estar com o outro, achando, ambos, que já se
conhecem muito bem e que se completam, que se sentem plenos juntos, quando a
ausência de um fizer a existência do outro se tornar insurportável, neste
momento o desejo transformou a sedução em uma história de amor. Na sua história
de amor.