segunda-feira, abril 01, 2013

UM QUASE TARDIO ATÉ LOGO

Ficar sem palavras é um martírio para quem se diz comunicador. Mas é assim que tenho vivido nestes mais recentes dias diante da maior certeza da vida. Não é medo da verdade das verdades; é algo como uma melancolia sofrida, um vazio que invade as emoções, provavelmente a alma; uma ausência que não sei explicar exatamente do quê. Tomado de uma profunda tristeza, foi assim que me senti e ainda sinto com a passagem do Betinho.

Eriberto Santos para o grande público, Eriberto para os mais chegados e Betinho para que os que definitivamente sucumbiram diante daqueles gestos sempre afáveis, do eterno rosto de criança, daquele sorriso que somente a infância nos premia e das sempre encorajadoras palavras.  Betinho, um carinho em forma de pessoa.

Minha mais antiga lembrança deste marco do radiojornalismo em Santarém vem de um final de tarde, no “pau-da-garça”, o muro da casa onde estava instalada a ZYR-9, a emblemática Rádio Clube de Santarém, num comentário dele sobre o funcionamento dos novos estúdios da Rádio Educadora na Travessa dos Mártires. A expressão, provavelmente, de um desejo. Passamos a ter um contato mais permanente quando comecei o período de treinamento na Educadora, na primeira quinzena de agosto de 1970. Eriberto Santos foi o escalado para me preparar para a locução. Foi um impecável mestre, não apenas na orientação da leitura dos textos, dos anúncios das músicas, mas, também, na apresentação aos colegas de trabalho e no detalhamento do perfil da poderosa rádio da diocese de Santarém.

Mais de uma década fazendo rádio juntos e mais a atenção que sempre dediquei aos caminhos da comunicação em Santarém me permitiram estar em permanente contato com as atividades do Betinho. Dá umas boas laudas de história sobre um dos integrantes do período de ouro do rádio na Pérola do Tapajós. Como este não é o espaço adequado, registro apenas dois fatos: o primeiro diz respeito à capacidade de produção do redator do “Plantão de Notícias” – nome de então do boletim noticioso de cinco minutos de duração, que era veiculado de hora em hora. A primeira edição ia ao ar às 8h e a última às 17h. 50 minutos diários de notícias de segunda a sexta-feira e 45 minutos aos sábados. Além desses boletins havia o “Jornal da Noite”, o destaque maior do jornalismo de rádio em Santarém, equivalente ao Jornal Nacional da TV. Este programa com a duração de 30 minutos era irradiado às 9h da noite, de segunda à sexta-feira. Em meados do segundo semestre de 1979 foi acrescentado à grade de programação o Jornal da Manhã, com duração de meia hora, a partir das 7h. Havia pelo menos duas ou três pessoas compondo a equipe de radiojornalismo, mas a responsabilidade e a palavra final eram do Betinho.

O que deve ser levado em consideração nesses expressivos minutos que a Rádio Rural dedicava ao jornalismo não é a quantidade de tempo, mas a qualidade da notícia. Ouvir a Rádio Rural naqueles dias era conhecer a vida da cidade em todos os seus ângulos, a despeito da ditadura militar que dificultava, intimidava e cerceava a atividade jornalística. E se por um lado, a questão política era um grande risco, na outra face havia a dificuldade de material, um entrave que exigia disposição e coragem para executar cada tarefa. A equipe não contava com agência de notícias, teletipos, telefones, carro, moto. Não havia TV, computador, internet e nem celular. A turma da notícia dispunha apenas de um excelente receptor para sintonizar as rádios do sul do País em Onda Curta e uma máquina americana da 2ª Guerra mundial, sem os acentos gráficos da língua portuguesa – a modernidade veio com uma Remington novinha em folha. Uma gravação externa era feita com um gravador de fitas K-7, quase do tamanho de uma mochila. Foram desafios que solidificaram e dignificaram o Betinho como o homem do radiojornalismo no Oeste do Pará.

O outro ponto que destaco se refere à preocupação do Betinho com a qualidade da informação. Em 10 edições diárias do Plantão de Notícias somente havia repetição se a relevância do fato assim exigisse. Uma precipitação que levasse a divulgar uma notícia incompleta, uma nota sobre algo que na verdade não aconteceu ou uma narração equivocada sempre consumiram o destacado radialista. Por sinal, estas foram questões que levantamos na última vez que conversamos por telefone, ele em Santarém e eu em Belém.




No dia 27 de setembro de 1972 Betinho estava em Altamira para cobrir a inauguração da rodovia Transamazônica, que seria feita pelo presidente Garrastazu Médice. Além do discurso de Médice, uma castanheira centenária foi derrubada para marcar o evento. Betinho gravou o ronco dos tratores e motosserra botando no chão o majestoso exemplar da hoje protegida espécie amazônica. Ao exibir a reportagem, da sonoplastia constou o ronco das máquinas contra a árvore. Betinho foi, digamos, gozado pela exibição do som. Ele nunca se perdoou por aquilo que ele passou a considerar uma incorreção na sua atividade. Fiz com que visse, então, que não havia erro algum na peça, pelo contrário. O rádio é som, e lá estava ele denunciando o início da devastação do coração da Amazônia. Que poderia ele fazer diante do fato de não poder gravar depoimentos e nem criticar os atos do ditador e seus auxiliares além de registrar o real som do desmatamento? Não era para consolar, é meu entendimento. Além do “Pau do Presidente”, o tronco da castanheira que ainda existe como marco histórico em Altamira, ficou a lembrança da narração feita pelo incansável repórter de um fato que afetou definitivamente a vida do povo da floresta.

Esse memorável tempo que juntos passamos na Rádio Rural de Santarém gerou muitas histórias, algumas engraçadas, mas, acima de tudo, histórias da formação de um grupo que começou muito jovem a sua atividade neste formidável veículo de comunicação que é o rádio. Fomos arrastados pelo exemplo de um corpo diretivo que tinha como missão a educação no coração da região Amazônica. Isto incluía a equipe da rádio. Ninguém poderia ficar imune às presenças de Dom Tiago Ryan, Frei Juvenal, Professora Francisca do Rosário, Haroldo Sena, Manuel Dutra – para ficar somente nesses eméritos mestres. Com esta equipe foi possível exercitar com liberdade a nossa condição criativa no rádio e aprender a executá-la com responsabilidade, com respeito ao ouvinte e à comunidade e com ética. Esses princípios foram se impregnando em nossas vidas e ficaram para sempre. A partir destes inesquecíveis dias estávamos preparados para exercer o nosso papel na sociedade, assumindo qualquer profissão que escolhêssemos e a formar uma família. Não éramos apenas colegas de trabalho exercendo uma atividade em uma empresa de comunicação, mas cidadãos que estavam sendo preparados para a vida. Isso nos fez uma família. E, agora, depois dos anos passados, chegamos aos dias inexoráveis em que começam a subsistir apenas as lembranças, boas lembranças.

Não necessitamos olhar para trás para sentir a presença destes irmãos, pois a importância deles para cada um de nós estará sempre à nossa frente, como um espelho. Alguns partiram muito cedo, mas é como se nunca tivessem nos abandonado. Chegará o nosso momento também, e iremos em paz, sabendo que partilhamos a vida com as melhores vidas que poderíamos escolher para conviver. Assim foi e assim será o nosso Betinho.


* Lindo e emocionante  texto.
 Parabéns Santino!!

EU QUERIA UM JUDAS PARA MALHAR


A gente vai ficando velho e nos começa surgirem esquisitices. Mas não é que amanheci o sábado com vontade de malhar um judas! E veja que vivo há mais de 34 anos em Belém e nunca fui à Cremação ver a tradição, pelo menos a pretexto de fazer uma reportagem, dar uma clicada, nada. Mas a cabeça, com suas sinapses, é simplesmente fantástica. Lembrei-me que em idos que o Sarapó, o Mário, nem deve imaginar, fomos ao abandonado Cristo Rei, em Santarém, preparar um judas – aquela turma da Barão era 10. Não recordo quem era a vítima! Não me recordo mesmo.

Bem, deve ser isso. Provavelmente um desejo inconsciente de voltar àquela infância em que descobria as belezas da Pérola tenha me transportado a essa é que uma das raras atitudes de rebeldia na minha vida, o desejo de protestar contra algo ou alguém.

O primeiro nome que me veio à cachola foi do Dudu. Todo mundo anda falando mal dele por tudo de ruim que fez à mangueirosa, como diria o Juvêncio. Mas refleti sobre a atitude do alcaide de me enviar, no final do mandato, uma carta pessoal agradecendo o apoio que eu havia dado à sua administração. Agradecia até mesmo as minhas críticas. Mas eu? Fiquei sem jeito, até porque, vendo fotos aqui no PC, comparei a 14 de Março de antes e de depois do Dudu. Achei melhor deixá-lo para lá. Que tal o Jatene, que até agora não “tene” nada? Ele anda meio adoentado, e não é de bom caráter falar mal das pessoas nessa condição. Pode até comprometer a recuperação das mesmas.

 Pensei nos padres pedófilos. Padres pedófilos? Convivo desde fevereiro de 1952 com sacerdotes, entre os quais tenho grandes amigos. A maioria , acredito, é feita de quase santos. Não dá! Então vamos falar mal de pastor, desse, o Feliciano, que meio mundo andou malhando mesmo antes do dia da tradição. É um pastor homofóbico e racista, merece mesmo ser escorraçado. Procurei as provas e não encontrei nada que, segundo minha parca sabedoria, me levasse a afirmar que o sujeito é o anhanga. Égua! Percebi, também, que sou evangélico e que tenho uma penca de amigos pastores. Que diriam eles?

Coragem! Vou escolher um indivíduo da turma BGLT pra ver a coivara arder. Sem medo de ser feliz, comecei a enumerar um sem-fim de nomes que há muito saíram do armário. Como diria o Chico, qual o quê, os caras e as caras são recobertos de açúcar e de afeto. Bicho, quanto refresco e broa eu consumi à entrada do Aderbal Corrêa, depois Elinaldo Barbosa. Quanta gente acima de qualquer suspeita saboreava aquele refresco com os olhos brilhando de felicidade, e ninguém, nunca, levantou a mão contra. Não foi falta de coragem, foi ausência de um bom motivo para criar uma encrenca danada com o tal Jean Wyllys.

Imaginei alguém da política grande, gente bem distante da província. Que tal a Dilma? Quem? A mãezona? Só se a demência já tivesse dominado por completo estes 0,001% que funciona debaixo do meu cocuruto. Nos ribas da vida não adianta: quanto mais batem nos caras mais eles crescem. Experimentei uma viagem mais longa, pois assuntos não faltam. Mas é ir longe de mais, por exemplo, tentar chegar Coreia, ao belicoso Kim. Também seria malhar em ferro frio. Que falta faz o Bush, o filho.

Diante de tanto muro, abri a gaveta da minha desgastada cômoda, pequei um paletó quadriculado e uma calça boca-de-sino que usei para apresentar uma das Feiras da Cultura Popular, e guardava como recordação, e os vesti no saco de socar do Tom. Amarrei no cordame que o prende ao teto uma copia feita na HP Deskjet de uma foto desta minha cara angulosa e cheia de sulco que nem uma sapopema e mandei ver: apanha para aprenderes a ter pelo menos coragem de escolher um judas para malhar.