Certa vez você me perguntou o porquê de eu te querer tanto.
Fiquei calado, fazendo entender que meu silêncio seria a melhor resposta. Você
insistiu, aliás, como sempre, persiste em não raciocinar.
Por falar em raciocínio, finalmente eu vou dizer por que te
quero tanto. É que gosto das tuas estrias e celulites, do teu corpo que jamais
foi à academia, quer seja de ginástica ou uma faculdade de Educação Física, ou
mesmo de Teologia.
Eu quero tanto é poque sem escada sabes trepar, no poste,
ligar o interruptor e ascender as luzes das avenidas dos nossos corpos que
desfilam nas passarelas e somos aplaudidos pelo silêncio da nossa
incompetência.
Eu te quero tanto é porque por cima ou baixo você jura que vai
ficar de quatro. Eu insisto e você finge que não escuta. í eu saio do sério, de
repente, lembro: não somos um casal, somos a porralouquice na sua mais distante
comparação humana.
Persegue-me à posição de quatro, porque quatro são as
estações do ano. Aprendi a te querer na primavera, quase morro de amor em pleno
verão, no inverno minha alma teve incêndio e os ventos do outono fizeram de mim
pobre gari. Mesmo assim, juntei todas as folhas do chão e, num sopro mágico,
elas foram para o infinito e desceram como forma de crepúsculo, anunciando o
amanhecer dos teus seios siliconados pela angústia e quedados pelas
frustrações.
Eu te quero tanto é porque você deixou a Matemática e
converteu-se em todos os problemas.
Eu te quero tanto é porque és cinica e teu cinismo serve
como tese para o meu doutorado em psiquiatria.
Eu te quero tanto mesmo que todos os dias você me aporrinhe
até demais e nas noites você some e eu me embriago, daí a sombra do meu corpo
brinca de esconde-esconde, causando mal-estar à lua, e as estrelas eu nem as
vejo.
Eu te quero tanto é porque mentes e tua mentira é tão
verdadeira que eu já nem sei mais o que é verdade.
Eu te quero tanto é porque falas de boca cheia, cospes na
rua, estalas os dedos em público, deixas o celular ligado na igreja e falas que
me ama, justamente no dia em que recebo meu contracheque.
Eu te quero tanto, tanto, tanto, que dentro de mim não
existe mais um homem, e sim um instrumento desafinado, um palco deteriorado, o
teatro fechado. Ai pode aparecer alguém para tocar o instrumento e de todas as
notas musicais somente sairá o 'dó'. Dó de mim, dó de você. Dó de quem tem dó
de nós, que nunca aprendemos a simples e doce razão do ser eu.
Paulo Renato Bandeira - Jornalista
Publicado em O Liberal de 2 de outubro de 2006
Fonte: Arquivo pessoal do autor