A bossa nova tocando no rádio
naquela manhã me lembrou do calor no peito que eu sentia toda vez que encontrava
certo namoradinho de adolescência que eu tinha. Não era nem a presença dele em
si, e nem as suas feições que não eram as mais atraentes. Era a paz que me
invadia por dentro cada vez que ele me olhava nos olhos e perguntava se eu
tinha dormido bem à noite. Ele era o rei dos pequenos requintes de delicadeza,
como o bombom em cima do caderno de matemática, a mensagem desejando boa prova
e, claro, o olhar, aquele cativo e carinhoso de todo dia que fazia meu coração
ceder. Não eram os gestos em si, era a forma como aquilo tudo enchia meu copo
até a borda de tudo que eu precisava naquele momento, a paz ou a tormenta.
Nosso namoro não durou muito, mas deste dia em diante, passei a abraçar na
minha vida pessoas assim, capazes de construir sorrisos sinceros na alma da
gente. Pessoas bem especiais, basicamente encantadoras. Pessoas que nos fazem
sentir especiais.
Descobri que o tal “borogodó”,
indispensável em qualquer relacionamento que se preze, está fundamentado no
encanto. Não é no rostinho de boneca, no presente de natal caríssimo, muito
menos no abdômen sarado. Encanto mesmo vem de dentro. Gente que faz nosso
coração gargalhar, que abraça quentinho colando o rosto, prepara o chá no fim
de semana de gripe, que ri de si mesmo, cumprimenta o porteiro, que respeita o
momento, o tempo, o vento. Gente que muitas vezes não sabe por qual bifurcação
do caminho você veio, que tipo de bagagem você vem trazendo, mas tem certeza de
que dedicação e respeito fazem parte do alicerce de qualquer relação, seja ela
amorosa ou não. Gente que te basta.
Não sei dizer se o mundo anda
carente de pessoas desse tipo ou se falta leveza para se permitir encantar.
Existem hoje aproximadamente 7 bilhões de pessoas no mundo, e ainda assim minha
vizinha não encontra uma companhia bacana para partilhar seu passeio no parque
aos domingos. Ainda não encontrei alguém especial, ela diz suspirando. Sua
ânsia encontra uma variedade de suspiros similares ao longo do planeta neste
momento, e olhando pra ela, penso como ainda pode existir tanta gente
solitária. O mantra do livro de cabeceira diz que quando a gente não sabe o que
procura, não sabe reconhecer quando encontra. Será que não sabe mesmo ou
estamos vivendo nossos dias com os olhares errados?
É o tal do enxergar com os olhos
da face e não da alma. Tocar com a ponta dos dedos em vez de se permitir uma
entrega completa, dessas que abraçam o todo e mudam a vida da gente. Porque
beleza tem-se aos montes, encaixe de beijo na boca é fácil e se aprende;
difícil mesmo é tirar o ar quando se vê. Complicado mesmo é ser apenas você
para o outro, sem máscaras, maquiagens, rodeios, salto alto, camisa de marca,
vodka na mesa da balada, foto no Facebook ou carro importado e, ainda assim, a
sua essência bastar para o bem-estar do parceiro. Estas são as pessoas
especiais: aquelas que sabem conceder seu encanto e aquelas que sabem
reconhecer essa dádiva. Porque as pessoas especiais sabem pra quem aparecem.
Tem que existir a sorte de reciprocidade e merecimento. Tem que saber enxergar
além daquilo que a genética e o status social te permitem ver. Porque amor é
assim, acontece ou não, mas se nosso coração está distraído com os atrativos
“errados”, o acaso passa e a gente nem percebe. Este é o segredo daquele casal
da faculdade que, aos olhos dos outros, pode parecer tão pouco convencional. Mais
que a resposta para os desejos um do outro, eles são calma, aconchego e paz
depois de uma semana de trabalho. São parceiros, amantes e amados; são
especiais entre si, para si e só.
Sobre o meu namoradinho da
adolescência, bom, o amor se foi, ele também, mas aquele sentimento de
plenitude que o olhar zeloso dele provocava… Esse não só permaneceu como também
se repetiu algumas outras vezes pelo caminho. Porque uma das delícias da vida é
ter a oportunidade de esbarrar em várias pessoas especiais ao longo da
travessia. Se o campo for florido, os sorrisos sinceros, os abraços apertados e
os sentimentos genuínos, cedo ou tarde, um beija-flor pousa por ali e, dentre
tantos que se foram, decide ficar. Se for o tempo da migração, nada se perde
pra sempre. Pelo contrário, quando a mágica é real, conserva-se naquela porção
gostosa do amor que sobrevive após o grosso do sentimento findar. Encanto é
isso, a livre aproximação de alguém que tem toda a liberdade de quando bem
entender, partir. Melhor ainda, encanto é a morada sem grades do amor, que
permite o voo para jardins mais floridos – porém, é muito mais convidativa a
doce e livre permanência.
Fonte: Casal Sem Vergonha