sábado, janeiro 11, 2014

O ÚLTIMO POEMA



 Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira

RAZÃO DE SER



Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski

OS CÓDIGOS DO AFETO




Tem gente que mia, tem gente que ronrona, tem gente que arrulha, como fazem as pombas. Intimidade tem dessas coisas. Quando você percebe, já está fazendo barulhinhos para o seu amor. Ao telefone, quando ela entra em casa, na cama. Muito antes disso, claro, já vieram os apelidos. Constrangedores, embaraços, irreveláveis. Neste particular, felizmente, nada tenho a declarar. Assim como o Romário, que nunca broxou, eu jamais chamei alguém de Jujubinha, ou coisa que o valha. Vocês riem, mas eu me pergunto o que essas pequenas esquisitices revelam sobre nossas necessidades afetivas. 


Uma delas, que me parece óbvia, é o brutal desejo de exclusividade. Não basta morar com a Joana e transar com ela três, quatro, cinco vezes por semana. Não basta sentar de mão dada com o João no cinema, escolher a camisa que ele vai usar no casamento, ouvi-lo desafinar em falsete embaixo do chuveiro. A gente inventa um nome que é só nosso, um ruído que só a gente faz, uma intimidade que ninguém nuca teve ou terá com ele ou com ela. Nossos apelidos expressam a vontade de construir um mundo único, onde só caibam dois, onde tudo comece do zero, inclusive o nome de batismo e os balbucios.