Por que esperar
passivamente que um romance caia do céu e dê sentido à sua vida?
Se eu fosse
mulher, tivesse 30 anos e não estivesse num relacionamento sério, minha lista
de planos para 2014 começaria com quatro palavras: arrumar uma relação legal.
Imagino, claro,
que a mulher de 30 se parece comigo na idade dela: meio carente, um tanto
romântico e cheio de planos para o futuro. Planos, que, no meu caso, incluíam
alguém para partilhar a vida.
Há muitas pessoas
que não sentem assim, evidentemente. Há caras e garotas que vivem bem sozinhos.
Tão bem, na verdade, que não desejam juntar os trapos e se comprometer. Eles
transam quando querem, ficam bem sozinhos e extraem da sedução frequente aquela
satisfação que outras pessoas só encontram na intimidade duradoura com uma
mesma pessoa – por mais que ela traga seus próprios problemas.
Não é raro que se
tenha inveja desses sedutores solitários, mas suspeito que eles, de vez em
quando, também gostariam de ser diferente do que são.
Mas, se você sente
que não nasceu para circular de forma autônoma, se você, no fundo da sua
alminha inquieta, percebe aquele desejo ancestral de acasalar e (quem sabe?)
fazer família, temo que a única solução para 2014 seja procurar um par.
Parece
absurdamente óbvio o que estou dizendo, mas, acreditem, não é.
Estou cansado de
conversar com mulheres de 30 anos que parecem ter desistido do projeto casal.
Falam em adotar sozinhas uma criança, congelar óvulos ou viver avulsas para
sempre, navegando entre um casinho e outro, entre um e outro site de
relacionamento. Estão jogando a toalha, como se dizia antigamente – embora
sejam jovens, atraentes, interessantes, bem sucedidas no trabalho. Um paradoxo
de saias.
O que elas contam
é que chegaram a uma idade em que é preciso tomar decisões, mas não há em volta
delas sujeitos que queiram dar um passo adiante – ou, frequentemente, sujeitos
com quem elas gostariam de dar o tal passo. Homem sempre existe, diz uma amiga
minha. Mas cadê o homem que a faça sentir apaixonada? Ou que, tendo penetrado a
couracinha afetiva dela, não se mostre mais interessado em seguir livre,
rompendo outras couraças por aí?
A vida não é
simples, naturalmente. Frequentemente, porém, ela tem solução. Que, neste caso,
pode estar na atitude.
Acho que nós,
homens e mulheres do século XXI, ainda temos um olhar adolescente para as
relações afetivas. Queremos que nos caia do céu um romance arrebatador, pronto
e completo, sem contradições ou dúvidas. Sem defeitos constrangedores também.
Exigimos ser amados pelo que somos, mas estabelecemos condições elevadas para
amar. Tendemos, de forma tola, a nos apaixonar pela beleza, pelo charme, pelo
riso. Apostamos no clichê e na superfície, mas aspiramos ser tratados de outro
jeito: queremos ser apreciados pela profundidade dos nossos sentimentos e por
nosso caráter.
Outro tipo de
atitude é possível, porém.
Outro dia,
conversando com uma amiga sobre o casamento dela – que já tem 10 anos – ouvi
algo surpreendente. “Eu tive muita sorte”, ela me disse. “Meu marido é um cara
maravilhoso, mas eu poderia ter amado alguém muito pior.” Vocês percebem como é
generosa essa última frase? “Eu poderia ter amado alguém muito pior” significa,
essencialmente, que ela estava pronta quando o sujeito apareceu. Ele não
precisava ser rico, lindo, heróico. Seria suficiente que a encantasse – e ela,
lindamente, admite que não teria sido difícil. Um bom homem bastaria.
Acho que há nessa
história ainda mais do que parece.
Nela se manifesta
a disposição da mulher – embora pudesse ser do homem – de inventar o seu
próprio destino. Acho que o romantismo pueril disseminado à nossa volta (em
conversas, filmes, novelas, livros e até colunas da internet) nos transforma em
criaturas passivas diante da nossa própria vida.
Agimos como se o
amor fosse um evento externo à realidade. Partilhamos a convicção estranha de
que diante do amor não temos nada a fazer. Acreditamos que a única atitude
frente ao afeto é esperar que ela apareça. Não entendemos esse aspecto da
existência como algo sob nosso controle - embora ele seja mais uma etapa da
existência, outra experiência essencial da qual não faz sentido abdicar, mas
diante da qual não deveríamos apenas sentar de boca aberta, embasbacados e
passivos.
Em outras palavras, me ocorre que construir
uma relação estável é como terminar o colégio, escolher a faculdade, lançar-se
a uma profissão, sair da casa dos pais: uma experiência que precisa ser
praticada, tentada, pensada e, de vez em quando, improvisada e remendada. Ao
final, talvez, aceita da forma como apareça.
Logo, se eu fosse
uma mulher de 30 anos sem uma relação estável - ou um homem da mesma idade e na
mesma situação – olharia em volta neste
primeiro dia do ano da graça de 2014, seja na praia chuvarenta ou na rua
ensolarada da cidade, em busca de alguém com que eu quisesse passar os próximos
dez anos.
Ele ou ela pode
estar pertinho. Ou não. Mas é certo que essa pessoa existe, porque não se trata
de um semideus ou de uma criatura engendrada pela Providência. É um homem ou
uma mulher comum, como tantos, a quem você concederá, de forma particular e
única, embora não irrefutável, o privilégio do amor. A quem você oferecerá o
direito a partilhar alguns dos momentos mais importantes da sua vida – e que
receberá, atônito ou comovida, a honra do seu amor. Estar com ele ou com ela
será infinitamente melhor do que jogar as mãos para o alto e desistir. Aliás,
como regra não se desiste da vida, nem das coisas que a tornam importante.
Ivan Martins
Revista Época
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