Quando jovens, cultivávamos a utopia de um mundo melhor.
Tenho refletido sobre isso. Tenho lido e pesquisado sobre a história do nosso
comportamento através dos séculos. Parece que, apesar de toda a violência
atual, fomos ficando menos violentos. Difícil acreditar, eu sei. Mas basta
pensar nos antigos povos escravizados. Mulheres brutalizadas e crianças
maltratadas sem nenhuma defesa, impérios cruéis e perseguições terríveis
aplaudidas, como Cruzadas e Inquisição, para ver que melhoramos.
Talvez em nosso DNA não sejamos predadores ferozes. Quem sabe
compaixão e solidariedade tenham nascido com essa nossa estranha espécie. os
humanos que andam eretos e, para complicar tudo. Pensam. Quem sabe esse ídolo
de dupla face, prazer e poder, com a economia como lema primeiro, não seja
inato em nós. Mas invenção de uma humanidade que pode ser mais sofisticada, mas
ainda é destrutiva demais.
Seria possível mudar o mundo, mudando por pouco que seja os
princípios e valores de cada um de nós? Ou é um velho ideal ultrapassado, e
juvenil? Talvez haja um modo de transformar nossa louca futilidade e desvairada
busca de poder, estimulando o que em nós já existe: o desejo do bem do outro, e
uma convivência menos truculenta?
Se o primeiro objetivo de todos os governos fosse o bem das
pessoas, a deusa Economia e seu parceiro, o Poder, perderiam um pouco da força.
E teríamos outros ideais, modelos, ambições. Haveríamos de nos respeitar mais,
também. Reavaliar nossos desejos, consumir menos ou melhor. Se fosse preciso
trocar a manicure e o cabeleireiro por comida decente para as crianças e quem
sabe, a prestação de uma casinha própria. Mudar o sonho do carrão importado por
mais harmonia, mudar o conceito do que é "moderno", que não é
inconsequente e delirante. Recuperar a compostura perdida quando fazemos
proselitismo com cartazes e material de televisão dizendo que alguém é uma
prostituta feliz, ou "sou feliz porque sou prostituta". O material
foi recolhido pela insanidade, mas alguém, num cargo importante em um dos
muitos ministérios, teve essa genial ideia. Respeitar não significa elogiar,
nem apresentar como modelo.
Quem sabe começamos tendo um pouco mais de bom-senso e pudor.
Quem sabe começamos querendo ser úteis, produtivos e compassivos dentro do
nosso círculo de família, trabalho. comunidade. O ideal não seria criar nossos
filhos para ser milionários ou as meninas para ser modelos de beleza e
sensualidade, mas para ser pessoas decentes, que acreditam em algum tipo de
felicidade tranquila, que vão construir sua vida, produzir no seu trabalho,
conviver bem com sua família, enfim, ser transformadores do mundo, dessa maneira
mínima que pode parecer tola, mas é essencial.
Abrir o jornal e ver o noticioso, todos nós sabemos, é entrar
numa série policial violenta, receber uma bofetada de falta de ética,
roubalheira, indignidades várias e muitos absurdos consagrados.
Médicos ganhando pouco e exaustos pelo excesso de trabalho
atendendo dezenas de pacientes nas emergências às vezes mal aparelhadas pelo
país afora. Professores recebendo salários vergonhosos, submetidos à violência
por parte de alunos e às vezes de pais de alunos, jovens que dentro da sala de
aula e no pátio se engalfinham como bandidos, gente inocente que morre queimada
porque não tinha mais que alguns reais no bolso ou no banco, acidentes de
trânsito totalmente evitáveis, obras públicas ruindo quando mal ficam prontas,
falta de bons engenheiros, de seriedade no uso de material. de se levar em
conta as vidas humanas que ali hão de correr riscos sérios. Isso tudo sem falar
nas guerras fora de nosso alcance, mas dentro de/ nossa casa pelos meios de
comunicação.
A gente podia mudar: se cada um mudasse um pouquinho,
exigisse muito mais dos líderes em todos os setores, e aspirasse a algo muito
melhor. Talvez digam que é apenas utopia minha, resquícios de um idealismo
juvenil: mas amadurecer não precisa ser renunciar a todas as nossas crenças.
Lya Luft
Foto: Albanira Coelho - é Jornalista santarena
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