Tem gente que mia, tem gente que ronrona, tem gente que
arrulha, como fazem as pombas. Intimidade tem dessas coisas. Quando você
percebe, já está fazendo barulhinhos para o seu amor. Ao telefone, quando ela
entra em casa, na cama. Muito antes disso, claro, já vieram os apelidos.
Constrangedores, embaraços, irreveláveis. Neste particular, felizmente, nada
tenho a declarar. Assim como o Romário, que nunca broxou, eu jamais chamei
alguém de Jujubinha, ou coisa que o valha. Vocês riem, mas eu me pergunto o que essas pequenas
esquisitices revelam sobre nossas necessidades afetivas.
Uma delas, que me parece óbvia, é o brutal desejo de
exclusividade. Não basta morar com a Joana e transar com ela três, quatro,
cinco vezes por semana. Não basta sentar de mão dada com o João no cinema,
escolher a camisa que ele vai usar no casamento, ouvi-lo desafinar em falsete
embaixo do chuveiro. A gente inventa um nome que é só nosso, um ruído que só a
gente faz, uma intimidade que ninguém nuca teve ou terá com ele ou com ela. Nossos
apelidos expressam a vontade de construir um mundo único, onde só caibam dois,
onde tudo comece do zero, inclusive o nome de batismo e os balbucios.
Os pequenos jogos de casal também sugerem, para mim, o quanto
a gente precisa de reafirmações de carinho. As formas normais de tratamento não
são suficientes e os rituais comuns da vida adulta não dão conta. Escondidos,
longe dos outros, inventamos maneiras ainda mais meigas de chamar um ao outro.
Sem planejamento e sem vergonha, recorremos a jeitos de falar e de nos
comportar que explicitam os nossos sentimentos de um jeito meloso e ridículo,
mas que sinaliza, para a outra metade, que estamos nessa com ela, unidos pelo
mesmo sentimento. A gente não age como tolo apaixonado para qualquer um.
Para quem olha de fora, esse tipo de comportamento, além de
cômico, tem outro traço evidente: ele parece infantil.
Adultos que se chamam de Bubinho e Bubinha estão agindo como
crianças que aprendem a falar. Parece uma brincadeira, uma farsa destituída de
desejo adulto. Afinal, nada menos erótico que bancar a criança, certo? Na
verdade, errado. Em 1905, o famoso médico austríaco Sigmund Freud escreveu que
o erotismo dos adultos começa lá atrás, na infância, e está condenado a
carregar sentimentos e memórias infantis. Logo, aquilo que você enxerga como
gestos infantilóides na relação dos outros podem ser preliminares que eles
inventaram para fazer sexo selvagem. A gente nunca sabe o que acontece na
intimidade alheia.
Dito isso tudo, não se sinta mal se você, assim como eu,
nunca teve alguém que coaxasse como perereca apaixonada para você. Há outras
formas de mostrar amor, desejo e intimidade.
Se a gente estudasse os gestos de qualquer da relação
perceberia que eles estão repletos de códigos privados. O tom de voz, a maneira
de olhar, tocar ou não tocar os cabelos dela. Cada uma dessas atitudes sinaliza
uma disposição de espírito em relação ao outro. Passamos recados o tempo
inteiro, com o nosso corpo inteiro, e não apenas com a voz. Dizemos “gosto e
desejo” (ou o contrário disso) 50 vezes por dia. Talvez mais. Se você não a
chama de Totinha, nem ela chama você de Totão, procure em volta no dia-a-dia:
vocês devem ter outras formas ainda mais secretas de reafirmar a intimidade.
Ivan Martins
Revista Época
Revista Época
Amei o texto.
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