Ivan Martins |
A fama de mulheres fáceis é um
insulto, mas deveria ser uma medalha
Muitas mulheres que eu conheço já
passaram pela mesma situação: em viagem pela Europa, a moça diz que é
brasileira e seu interlocutor abre um sorriso de quem ganhou na loteria. O que
se segue, frequentemente, é uma conversa desagradável, em que o cara se oferece
descaradamente e a moça, meio desconcertada, tenta corrigir o mal entendido.
Quando, afinal, recebe um não peremptório, o sujeito se finge perplexo: “Mas eu
pensei que as brasileiras gostassem de sexo...”
Sempre foi minha impressão que
esse tipo de atitude partia de homens ignorantes, aquele tipo de europeu sem
instrução que sonha em fazer turismo sexual no Brasil e acha que toda jovem
brasileira está interessada no pouco que ele tem a oferecer. Na semana passada,
os fatos deixaram claro que não é assim.
Por causa de uma eleição
estudantil, alunos estrangeiros da Universidade de Coimbra, em Portugal,
fizeram uma campanha para divulgar as agressões que sofrem na escola. A coisa é
feia para o lado das brasileiras. Professores imitam seu sotaque para falar das
“garotas de programa”; professoras aconselham que elas “se comportem” para não
reforçar a imagem de mulheres fáceis; colegas fazem piadinhas obscenas em torno
delas. Ouvir insultos de um bêbado numa estação de trem às 10 da noite é uma
coisa. Ouvi-los em sala de aula, da boca de professores, é inaceitável.
Como eu não estudo em Coimbra, e
nem pretendo, deixo aos envolvidos (e ao Itamaraty...) a tarefa de lidar com
esse rompante de xenofobia acadêmica. O que me importa é tratar da imagem das
brasileiras no exterior, e o que ela diz sobre nós e o nosso país.
Não sei como ganhou mundo essa
história da brasileira fácil, mas não é difícil imaginar. Durante o carnaval,
TVs de toda parte exibem passistas deslumbrantes usando tapa sexo e mais nada.
Você e eu conhecemos o contexto do espetáculo. Sabemos que Sabrina Sato e Aline
Riscado são artistas e que aquilo é parte do trabalho delas. Mas quem vê do
outro lado do Atlântico e não tem muitas luzes, pode imaginar diferente. Pode
achar que as brasileiras andam peladas e sorridentes nas ruas do Rio e de São
Paulo. Não tem cabimento, claro. É um tipo de generalização burra, mas há
burros em toda parte, em alguns lugares mais do que em outros.
O grande número de prostitutas e
travestis brasileiros na Europa também contribui para essa imagem distorcida -
e não há nisso nada de inédito ou extraordinário. No passado, quando a Europa
era um continente faminto, jovens francesas e polonesas se espalhavam pelo
mundo para ganhar a vida, e viraram sinônimo de putas. Hoje são russas, assim
como as brasileiras e asiáticas, que ocupam esse mercado e arcam com a má
reputação.
Eu poderia parar por aqui,
atribuindo a imagem das brasileiras a uma conspiração de mídia carnavalesca e
travestis do Bois de Boulogne, mas isso seria falso e deixaria de lado algo
essencial.
Acho que por trás da lenda da
brasileira que dá existe um grau de verdade. As nossas mulheres são de fato
sexualmente mais livres do que outras. Entre nós, a camada de repressão e vergonha,
que em toda parte reveste a sexualidade feminina, talvez seja mais fina. O
machismo brasileiro não produziu mulheres castradas, medrosas, pudicas. Dele
emergiram, no século XX, garotas sexualmente ativas e independentes. A libido
feminina entre nós é forte. Existe um erotismo na cultura feminina brasileira
semelhante ao erotismo dos homens, e talvez seja essa a nossa grande virtude:
enquanto em outras culturas há um abismo entre o comportamento sexual das
mulheres e dos homens, aqui a diferença é menor, embora ainda seja notável.
Dou um exemplo: uma amiga
brasileira vivendo em Barcelona cansou de ouvir, em festinhas, a roda de
mulheres reclamar dos maridos que queriam fazer sexo toda hora. Minha amiga,
espantada, tinha vontade de perguntar do que, exatamente, elas estavam se
queixando, mas calava-se. “Eu achava aquilo um absurdo, mas percebi,
rapidamente, que não pegava bem uma mulher mostrar que gosta de sexo”. Acho que
essa historieta real ilustra a diferença de culturas e de comportamentos.
Isso não significa,
evidentemente, que as brasileiras saem por aí dando para todo mundo, como
supõem os imbecis. Nem que todas as brasileiras, do ponto de vista do sexo, se
comportem de forma igual. Mas me parece tranquilo afirmar que, dentro ou fora
do Brasil, nossas mulheres gozam de liberdade interior para fazer sexo quando e
com quem acharem que é o caso. E isso é bom. Não se pode estar no século XXI e
achar que as mulheres não têm desejo ou que não têm direito a manifestá-lo ou
exercê-lo. Sem a liberdade sobre o corpo, nenhuma outra liberdade subsiste.
Nem todos percebem a situação
assim, naturalmente. Liberdade sexual não combina bem com mentalidades
atrasadas. Quanto mais machista for o lugar, quanto mais reprimida a
sexualidade das mulheres, mais escândalo provoca a possibilidade do seu
comportamento livre. Onde a repressão e a ignorância predominam, a liberdade
ofende. É uma regra inescapável.
Mas eu imagino que no futuro,
quando o Brasil for um país menos pobre, e, portanto, vítima de menos
preconceitos, a liberdade sexual da cultura brasileira será percebida, no mundo
inteiro, como parte de um jeito de viver melhor e de ser mais feliz. Um povo
que celebra o próprio corpo e não se envergonha da sua sensualidade é um povo
melhor. Um ou outro professor na Universidade de Coimbra, ou na Universidade
Rei Abdullah, na Arábia Saudita, pode discordar - mas, francamente, quem se
importa com eles?
Ivan Martins
Socorro...eu penso que o facto de a mulher brasileira...tal como o homem...ser bastante simpática...leva muito boa gente a pensar que essa simpatia passa pelo sexo!
ResponderExcluirSinceramente...o problema é que...muito homem é que pensa assim...erradamente!
Bjs