segunda-feira, novembro 09, 2009

A TARDE


Era a hora em que a tarde se debruça
La na crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os écos na sombrias grotas;
Quando sobre a lagôa, que se embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas...
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalado.



Era a hora em que os cardos rumorejam,
Como um abrir de bôcas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam,
Pelos dedos das auras perfumadas...
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas despojadas;
E a pedra...a flôr...as selvas...os condôres
Gaguejam...falam... cantam seus amores!



Hora meiga da tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
- Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gôta do banho cada estrêla,
Que te rója da espádua refugente...
E- prendendo-te a trança a meia lua
Te enrolas em neblinas semi-núa!



Eu amo-te ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E se não te dá mais da infância o grito,
Que menino elevava-te arrogante,
E' que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...



Mas não me esqueço nunca dos fragedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem mais tarde, dos lânguidos segredos
Do amor do nenufar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha!...
E os abraços fogosos da baunilha!...



Eu te amei tanto - cheia de harmonias,
A murmurar os cantos da serrana,
A lustrar o broquel das serranias,
A dorar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto - á flôr das aguas frias
Da lagôa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!...



Mas hoje, da precela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condôres
Das nuvens arruivadas do horizonte...
- Para então - do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte,
Contemplando o infinito... na floresta,
Rolar ao som da funeral orquestra!
Foto: Ronaldo Ferreira
Poema: ANTONIO DE CASTRO ALVES- Poeta brasileiro, nasceu na Bahia a 14 de março de 1847 e faleceu a 6 de julho de 1871.

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