sexta-feira, maio 25, 2012

UM ANO APÓS EMBOSCADA DE MARIA E ZÉ CLÁUDIO



Cerca de 150 familiares, assentados e ativistas de movimentos sociais se reuniram nesta quinta-feira (24) no local onde o casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo foi emboscado e morto por pistoleiros há exatamente um ano  numa pequena estrada de chão dentro do Projeto de Assentamento Extrativista Praia Alta Piranheira, no município de Nova Ipixuna (PA). O corpo de José Cláudio caído embaixo de um caju-de-janeiro teve parte da orelha direita arrancada e levada como prêmio pelos assassinos, marca da pistolagem no interior distante da Amazônia brasileira.
- As árvores que têm na Amazônia são minhas irmãs. Eu sou filho da floresta, eu vivo delas, dependo delas, faço parte delas. Quando vejo uma árvore dessas em cima de um caminhão, indo pra serraria, me dá uma dor. É o mesmo que estar vendo um cortejo fúnebre, levando o ente mais querido que você tem, porque é vida, é vida pra mim que vivo na floresta, é vida pra todos vocês que vivem nos centros urbanos. Ela está purificando o ar, dando o retorno pra nós. Mas os desmandos de pessoas que só pensam no capital – pensam só neles, não pensam nas futuras gerações – fazem a destruição.."
O discurso de Zé Cláudio aconteceu diante de uma platéia atenta no Tedx Manaus, pouco antes de encontrar a morte que antevia ali:
-Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso eu vivo com a bala na cabeça a qualquer hora, porque vou pra cima, eu denuncio os madeireiros, carvoeiros. Por isso eles acham que eu não posso existir. Eu posso estar hoje aqui, e daqui há um mês vocês podem ter a notícia que desapareci. Enquanto eu tiver força pra lutar, denunciarei todos aqueles que prejudicam a floresta. A mesma coisa que fizeram no Acre, com Chico Mendes, e em Anapu, com a irmã Dorothy, querem fazer com a gente.
O discurso foi gravado em um memorial posto à beira da estrada, cuja pedra de mármore foi alvejada por um tiro, deixando um buraco que chama a atenção de quem se aproxima para fazer uma reverência aos heróis da floresta tombados durante a luta.
- Eles querem também acabar com a memória de Zé Claudio e Maria. Ainda tem deles soltos, pode ter certeza – diz um dos presentes, sem se identificar.
Um ano depois
Por causa do crime estão presos apenas José Rodrigues Moreira, como mandante, e Lindonjonson Silva e Alberto Lopes, como executores. Uma apelação da defesa dos acusados impediu que o julgamento acontecesse e  não existe previsão de quando acontecerá.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) afirma em nota que "conforme escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, a decisão de mandar assassinar Jose Cláudio e Maria do Espírito Santo não foi tomada apenasr por José Rodrigues. Genivaldo Oliveira Santos, o Gilsão e Gilvan, proprietários de terras no interior do Assentamento Praia ALta Piranheira, também teriam participação no crime. José Rodrigues antes de ser preso, em conversa com seu irmão de nome Dedé, pede que ele pressione os dois a contratar advogados para fazer sua defesa, caso contrário os denunciaria".
Transcrição da conversa
Zé Rodrigues: Eh Dedé.
Dedé: Oi.
Zé Rodrigues: Vê se tu vai na casa de Gilvazin e conversa com ele pessoalmente. Tu fala com ele que ele sabe por que eu to conversando com ele, que ele providencia advogado e bota ai, por que senão vai pegar pra ele também e fala pra GILZÃO também.
Dedé: Hunhu.
Zé Rodrigues: Porque se eu cair sem eu dever culpa nenhuma, se eu cair, eu entrego eles dois.
Dedé: Hunhun.
Zé Rodrigues: Tu conversa com ele pra mim, viu?
Dedé: Tá, pode deixar, eu já tinha falado que ia dar uma pressão em Gil, bacana.
Zé Rodrigues: Pois é, em Gilvan também.
Dedé: É, nos dois.
Zé Rodrigues: Pois é, tu conversa com eles, que eles aciona advogado ai em Marabá, pra botar aí, porque se eu cair sem eu dever culpa nenhuma, igual ele sabe que eu não devo, que o culpado é mais ele, ele Gilvan e Gil, ele se lasca.
Dedé: Pois é, ele tem medo de você contar, que é perigoso até ele colocar gente pra te matar. Eu tô te falando.
Zé Rodrigues: Pois é, eles podem botar até o capeta, que Deus me perdoe por isso, que Jesus me defende.
Dedé: Eu desconfiei no depoimento. Tô tendo quase certeza que, no depoimento de Gil, ele jogou a culpa nas suas costas e saiu fora.
Zé Rodrigues: Pois é, pois ele não jogou fora não, por que sabe que deve.
Dedé: Pois é.
Zé Rodrigues: Ele sabe quem é os culpados nisso tudinho. Ele sabe. E o culpado é o Gilvan, sabe também, é ele, Gilvan…”
Mesmo com esses indícios da participação de Gilvan e Gilsão, a polícia não seguiu com as investigações e os dois, que ao lado de José Rodrigues formariam um "consórcio" com o intuito de por fim à vida de Zé Cláudio e Maria, não foram indiciados e nem denunciados.
Segundo a nota da CPT, após o assassinato de José Cláudio e Maria, o Ibama fez uma fiscalização rigorosa na área. Os fornos de fabricação de carvão foram destruídos e as serrarias de Nova Ipixuna foram fechadas.
O Incra fez um levantamento para identificar a compra ilegal de lotes no interior do assentamento, encontrando várias áreas de reconcentração fundiária – quando alguém compra lotes de assentados para se tornar dono de um grande pedaço de terra, prática ilegal mas muito utilizada por fazendeiros, grileiros e madeireiros na Amazônia – mas não as retomou.
- Nem mesmo os lotes que o mandante do assassinato comprou ilegalmente foram retomados pelo Incra e nenhuma política pública foi implantada dentro do assentamento para melhorar a infraestrutura e a qualidade de vida das famílias. Nenhuma providência também foi tomada para incentivar o extrativismo e a preservação da floresta – denuncia a CPT.

Lágrimas de Laísa
Laísa Santos Sampaio, irmã de Maria, após passar alguns meses fora, voltou a viver no assentamento desde o dia 11 de janeiro deste ano. E vem recebendo diversas ameaças, incluindo um telefonema, além de "alertas" passados por moradores da região de que "ouviram que é melhor ela parar de falar" e intimidações de parentes dos assassinos. Um cachorro da família foi atingido com um tiro durante a noite, no lote em que moram.
Laísa é professora em uma escola municipal dentro do assentamento. A escola atende cerca de 90 estudantes do ensino fundamental. Ela relata episódios em que motoqueiros suspeitos param próximo ao colégio e observam fixamente sua rotina.
Ela tem pedido proteção ao Estado e algumas audiências foram realizadas com o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e com o secretário de Justiça do Estado do Pará, para que Laísa pudesse ser incluída no programa federal de proteção a defensores de direitos humanos. Até o momento nada foi resolvido. Laísa segue vivendo sem segurança.
- Passei sete meses fora daqui e não me encontrei na cidade e voltei pra cá porque foi aqui que escolhi viver. Não matei, não roubei, e eu tenho que continuar minha vida. Voltar sem Maria e Zé Cláudio aqui foi outra parte, talvez a mais massacrante. Mas o que passou a ser forte é que eles estão vivos dentro de mim, em cada castanha que descasco, em cada companheiro que tem uma palavra de defesa e isso fortalece nossa luta – diz Laísa, muito emocionada, durante o ato.
Sem conter as lágrimas, Laísa segura firme o microfone ligado à uma pequena caixa de som alimentada por um gerador improvisado.
- Estamos aqui, continuando com a luta porque faz parte de nós. Fugir disso é omitir a nossa verdade, o que construímos pra nós. Talvez isso custe até nossa vida, mas é digno, é honroso. Eu acho que se você deixar de defender aquilo que é importante pra você a vida perde o sentido.
Lunaé Parracho é jornalista
Fonte: Terra


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