Nas últimas semanas o tráfico de mulheres tem sido alvo de
debate, provavelmente por ser tema de uma novela que se encontra no ar. Para
alguns parece ser algo distante, para outros, mera ficção. O tema é tão
hediondo que faltam palavras para expressar a indignação que o tipo de crime
suscita. Uma sensação de mal-estar interior cresce ao longo da leitura dessas
reportagens. É uma indignação visceral, um sentimento de desamparo no sentido
real do termo, abandono ao mal, violência sem qualificação a que a sociedade
assiste inquieta e temerosa.
Ciente da responsabilidade do meu papel de formadora de
opinião, pretendo alertar que corpos femininos estão se tornando coisas,
mercadorias, objetos banais. Negócio lucrativo como outro qualquer. Será essa
uma questão nova na bandidagem internacional? Sabemos que a questão é antiga e
que continuamos simplesmente assistindo ao horror infligido pelos criminosos.
Estes e outros crimes fazem-me pensar o quanto a humanidade tem perdido em
sensibilidade, respeito e dignidade.
É a grande miséria econômica que torna essas mulheres
vulneráveis ao “canto da sereia” convocando para “trabalhos no Exterior”, não
imaginando a escravidão que lhes espera. É a carência ou a ganância que convoca
corpos a se venderem para a soberania do capital, invertendo a importância que o
ser humano deve a si mesmo.
A banalização da vida e da pessoa conduz a esse tipo de
indústria, fundada na imoralidade e na impunidade. É lucro hediondo sobre o
sonho dessas mulheres de conquistarem uma vida melhor. É lucro hediondo sobre o
uso e abuso dos corpos, como se fossem corpos sem face, sem nome, sem
identidade, sem pátria.
Vendem-se corpos também na TV, no cinema, nos outdoors, nas
esquinas da vida. A profissão de modelo, na qual garotas submetem-se a uma
modelagem padronizada e tirânica de seus corpos, não é também uma forma de
escravidão feminina? Até quando muitas das mulheres ainda serão simplesmente
descritas como bonitas, feias, gostosas, gordas, magras, sedutoras, frias,
fáceis, difíceis, velhas, jovens, enfim, de um modo estereotipado, discriminativo,
preconceituoso, injusto e degradante de nomear a mulher, como se a atribuição
cabível fosse de que ela é um objeto sexual, um ser de uso doméstico destituída
de valores como pessoa?
Que seja dito que somos pessoas corajosas, lutadoras, amáveis,
ativas, empreendedoras, cultas, capazes, sensíveis ou não, mas que sejam
encontradas outras formas de dizer sobre a mulher que somos. Crescemos, saímos
do lugar das sombras que fomos mantidas por tanto tempo.
Que a dor não seja só feminina e o prazer não seja só
masculino. Nosso apelo para o ano que iniciou é que ele seja mais humanizado
por ações mais éticas, com justiça e solidariedade em relação a essas questões
e muitas outras. E principalmente, que nós mulheres valorizemos o nosso corpo,
nossa dignidade e nossa alma. Não podemos mais ir para um mercado em que nos
colocamos como algo a ser desejado e adquirido. Temos muitos valores e bem mais
reais do que apenas um corpo bonito!
Zenilce Vieira Bruno
Psicóloga, sexóloga e pedagoga
Blog do Arthur Bruno
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