Domingo eu me peguei com lágrimas
nos olhos assistindo Across de the universe, aquele musical de 2007 feito com
músicas dos Beatles. Na última cena, Jude, o protagonista, está no terraço de
um edifício e canta All we need is love, pá, pá, rá, ri, rá. A garota que ele
ama, Lucy, ouve a voz dele lá de baixo, da rua, e sobe até a cobertura do
prédio vizinho. O filme, deliciosamente romântico, nostalgicamente anos 60,
termina com os dois se olhando à distância, tendo ao fundo os prédios de Nova
York e o refrão inesquecível – All we need is love, pá, pá, rá, ri, rá...
Não sei quanto a vocês, mas eu
ainda acho, ainda sinto, que o romantismo é totalmente essencial. Digo ainda
porque aos 20 anos ele nos brota na pele. Aos 30 ele nos derruba e a gente
imagina, erroneamente, que em algum momento ele vai se esgotar. Mas não. O
tempo passa, na verdade ele voa, mas um pedaço enorme de nós anseia
permanentemente pela vertigem amorosa – e se debruça feliz sobre o abismo
quando ela aparece. Aos 40 anos, aos 50 e seguramente, depois.
O romance é uma forma de oxigênio
existencial: se eu respiro, vivo; se eu me apaixono, me sinto vivo.
Há um tremor de aventura e
novidade em estar apaixonado. Você se debruça sobre a criatura amada e sente
que ela é única. O sexo acabou faz alguns minutos, mas você ainda se sente
ligado a ela por um cordão dourado e intangível. Ou então ela sofre, tem uma
dor qualquer, e você a toca, abraça, consola – e teme. E se aquele corpo
sumisse, levando nele o seu amor e seu desejo, o que seria de você?
Às vezes eu entendo as pessoas
que fogem da paixão e do romance. Quando ele acaba é terrível. Esperar por uma
chamada telefônica que nunca vem é atroz. Sentir-se ignorado, repelido,
indesejado. Ou saber que acabou, realmente acabou, mirar o outro como um
fantasma e sentir em você o vazio se abrindo como um abismo, a sensação de que
não há futuro, não há presente, apenas a dor, enchendo todos os buracos como
uma água fria. Quem pode possivelmente gostar disso?
Antes que o fim aconteça – é bom
que a gente lembre – vem a aventura da paixão. Há um momento luminoso em que a
gente se percebe apaixonado. É quando você não pode ter o suficiente do outro.
Quando não se cansa dele. Quando sente falta, sente saudades, algo em você pede
aquela presença. Esse outro não é fonte de dor, é causa de alegria. Ela aparece
e você vibra. Ela fala com você e o seu coração canta. Vocês conversam
interminavelmente, riem, conversam ao telefone, trocam mensagens. Sua mão
procura a dela num gesto irrefreável de ternura. Você é tímido, mas adora falar
para ela, adora olhar nos olhos dela, adora ver o corpo dela que vem, o corpo
dela que balança quando vai. Ela passa as mãos nos cabelos, ela tira os sapatos
– meu deus! – e seus olhos se perdem naqueles gestos mínimos. Quanto se pode
desejar o corpo do outro? Muito.
Há sentimentos mais nobres,
claro. A paixão é banal, egoísta, possivelmente reacionária e frequentemente se
opõe a sentimentos mais generosos, como a amizade. Ao mesmo tempo, ela é
essencial, no sentido que de emana de nós com dolorosa naturalidade. Talvez seja
parte da nossa essência, como o medo, a ira e o riso. Parece ser uma aspiração
permanente que, mesmo a contragosto, nos preenche. Não há como lutar contra
algo tão básico.
Ontem eu fui ver um documentário
sobre Philip Roth, um dos meus escritores favoritos. Ele tem mais de 80 anos e
a melancolia da morte – dele e dos que vivem ao seu lado – se manifesta na fala
dele (como na obra dele) de forma inevitável. Ainda assim, mesmo diante dessa
sombra incontornável, ele fala de sexo e erotismo com vivacidade e humor. Está
lá também a atriz Mia Farrow, uma das suas inúmeras amigas, ainda bonita aos 68
anos, para elogiar esse homem notável, que foi e segue sendo um grande sedutor.
A vida continua enquanto há vida.
Por isso eu vou continuar me
comovendo com filmes românticos como Across the universe. Por isso você vai
parar de respirar quando ela tirar os sapatos ou prender os cabelos. Por isso
ela vai sentir uma vontade irrefreável de dizer que ama no meio do dia. Assim
somos nós, criaturas feitas de desejo e de vontade de amar, gente incompleta
destinada a buscar nos outros, permanentemente, aquilo que nos falta.
IVAN MARTINS É editor-executivo
de ÉPOCA
Fonte: Revista Época
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