“Por favor, reprime as chamas desse amor ímpio”. A frase é
de Sêneca, o filósofo. O que seria um amor ímpio? Pela definição de um honesto
dicionário, ímpio é tudo que ofende a moral, a justiça, a religião, o estado
das coisas. Parêntese.
A linguagem separa o ser humano da natureza. Quando
conhecemos a linguagem, deixamos de dar vazão aos instintos porque passamos a
ser mediados por valores e conceitos que aprendemos junto com a sintaxe e a
morfologia da língua. São valores morais, éticos, religiosos, jurídicos e
outros que servem para nos regular as práticas e os comportamentos. Mas os
desejos regulados não somem. Os desejos proibidos são reprimidos e jogados no
gavetão do inconsciente, onde ficam fervendo, esperando uma chance de se realizar.
São pulsões. Pulsam, falando a seu modo em nossa vida. Querem o que queremos e
os outros não deixam. Algumas viram amores platônicos e o que se ganha e o que
se perde ninguém precisa saber, como diz a música. Mas algumas não se contentam
com o platonismo e pagam para ver. Vazam do controle e se permitem. Parêntese.
Ímpios são os amores proibidos. Ímpios são os amores
impossíveis. Amores que desafiam as regras, a moral, a ética, a religião, os
costumes. Não são menos amores, qualitativamente falando. São proibidos de fora
para dentro, pois de dentro para fora anseiam por jorrar, por se lambuzar, por
suar, por gozar até o corpo ficar dormente. São desejos de qualquer amor
legítimo, embora sejam ilegais, por assim dizer. Quem nunca desejou em uma
dessas circunstâncias? Quem nunca se viu entre a irracionalidade do querer que
manda se jogar e a razão controladora que diz para sossega o facho... LEIA MAIS...
O amor proibido tem sua mecânica: as hesitações, a sedução,
o arrebatamento. Hesita-se enquanto se tem forças, na luta feroz entre o desejo
e a razão. Seduz-se ludicamente porque a entrega é clandestina e homeopática.
“Apenas amamos aquilo que não possuímos por completo”, diz Proust. Arrebata-se
ao nirvana quando a razão joga a toalha, vencida por nocaute ou por pontos. Aí
começa.
“Não pode!”, diz a grossa voz da moral. “Como se querem
pessoas que estão ligadas pela compromisso social a outras? Como ficam as
outras?” Se entrar a razão no meio, a coisa morre. Por isso amores proibidos
são irracionais. Exemplo: se uma das duas pessoas é livre e entra na roda-viva,
ela acaba entregando sua liberdade em troca de migalhas de tempo, de
possibilidades de arranjos, de esquemas, de encontros fugazes. A razão diz que
isso não é vida. Mas para ela, que se entrega, está tudo bem. Há para compensar
as loucas horas de Guilherme Arantes, com as quais ela vive a sonhar. É nelas
que os clandestinos se amam feito dois animais, pois o breve tempo da
permanência juntos pode ser o último tempo. Nunca se sabe. O sexo do amor ímpio
é sempre o sexo da saideira. O tempo mínimo tem de compensar o desejo máximo.
Ah,o submundo do amor clandestino… ruas ermas, estacionamentos de
supermercados, motéis em horas insuspeitas, o ritual do apagamento de
mensagens, o duplo comportamento numa casualidade de um encontro a três. Além,
claro, de uma brutal capacidade de encenação da vida. É possível não ser você
mesmo por muito tempo? Não sei…
Na conta do amor proibido, cobra-se o cuidado redobrado para
não ter o delito desvendado. Dobram-se os cuidados com os olhos de ressaca que
se entregam a uma certa distância, dengosos demais. Dobram-se os cuidados com a
leitura pública do que está acontecendo. O público jamais poderá saber ou
impiedoso escreverá a letra escarlate no peito dos ímpios. Esse é um amor ímpio
e o seu preço é ser um amor só dos dois, sem registro, sem história escrita,
sem história alguma, o que é uma tristeza medonha em se tratando de amor.
Deletar é sempre a ordem. Da lixeira inclusive. Amores precisam de história.
Por isso, um dia acontece. A razão chega e quer por ordem na
casa. Amores proibidos sempre estancam mais cedo ou mais tarde na sua
encruzilhada: e agora? Seu ponto de interrogação é a frase do Gonzaguinha dita
por um dos dois: “Eu preciso é ter consciência do que eu represento nesse exato
momento”. Porque há de se querer mais espaço, há de se querer mais tempo, há de
se querer mais atenção, há de se querer prioridade. A vida reclama uma
história. Ser figurante sem nome na trama da vida é muito pouco para quem
sonhou ser protagonista de uma história de amor blockbuster.
E agora? A lógica aponta dois
caminhos: zerar tudo – com todas as dores envolvidas – e buscar o prootagonismo
pleno ou continuar num amor sem passado e sem futuro, com breves e tórridos
presentes – e esquecer desse papo de história. Não há receitas. A vida de cada
um vem e não pede licença. Toda maneira de amor vale a pena, mas amar passa
necessariamente por ser feliz. Se a infelicidade visita, há algo para rever, há
rotas a alterar. Há quem, como Sêneca, implore para que se mate as chamas do
amor ímpio no nascedouro: quem brinca com fogo, diz a sabedoria popular, pode
se queimar. Mas há quem goste do calor dessas chamas ímpias. Pois então que
elas sejam eternas enquanto durem. É uma questão de escolha. Como tudo na vida.
Poetas ou filósofos: qual a sua?
Fonte: Blog do Sérgio Freire
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