O que está em jogo quando elas
resolvem disputar o mesmo sujeito?
Suponham uma situação deste tipo:
Fulana é amicíssima de Sicrana desde a infância, mas têm lá suas diferenças.
Então aparece um homem no meio delas. Com a maior naturalidade, e sem que o
sujeito se dê conta, ele vira objeto de disputa. Não pelo corpinho sarado ou
pela vibrante personalidade, - como ele imagina - mas porque, estando entre as
duas, se transforma em troféu de um torneio que vem sendo disputado,
secretamente, desde um momento remoto da adolescência comum: quem é mais
sedutora? Qual das duas ele vai escolher?
Conheci um sujeito nessa
situação. Trinta e quatro anos, separado, conheceu no bar duas amigas
inseparáveis. Em poucos dias ambas pareciam empenhadas em conquistá-lo.
Enquanto ele não escolhia uma delas, nenhuma se entregava inteiramente. Mas
tampouco pareciam chateadas com a presença da outra na jogada.
Civilizadíssimas, não pressionavam ou faziam cena. Apenas marcavam presença e
cobravam, indiretamente, que ele tomasse uma decisão. A bola parecia estar
inteiramente com ele, mas não estava. Ele descobriu que era a bola.
Se boas amigas resolvem disputar
o mesmo homem, ele talvez devesse retirar-se da disputa, por uma única razão:
parece-me improvável que as duas o queiram. Ao menos da mesma forma. Há tanta
coisa acumulada sob o tapete de uma velha amizade que é difícil imaginar que
dali possa emergir uma paixão comum pela mesma pessoa. A amizade é um
sentimento tão complexo e contraditório que contamina tudo que está ao redor
dela. Se produzir uma disputa amorosa, certamente haverá mais coisas em jogo
que o simples afeto de uma terceira pessoa – e acho que isso vale também para
amigos que se ponham a disputar uma mulher.
De qualquer forma, não é
confortável ser o objeto de disputa entre duas amigas que resolveram usá-lo
para acertar pendências emocionais. Há nesses conflitos uma sutileza de códigos
e uma intensidade de sentimentos que estão além da rudimentar cultura
masculina. As mulheres têm, em relação aos homens, uma capacidade muito maior
de acumular ressentimentos. Quando eles vêm à tona, ainda que recobertos de
sorrisos, o resultado é feio. O homem posto no papel de prêmio tende a sair da
experiência de mãos vazias. Chamuscado e magoado.
Antigamente, quando só havia
entre os homens predadores inconsequentes, não havia tanto risco num leilão
desses. Um cara esperto tentaria aproveitar a rivalidade entre as amigas para
obter uma farrinha em duas frentes. Provavelmente terminaria sozinho, mas com
uma boa história para contar aos amigos. Hoje em dia – para o bem ou para o mal
– não é mais assim. Há muito homem por aí que não fica confortável em ser
usado. Apesar de estar confuso entre duas mulheres atraentes, ele pode ter
sentimentos sinceros. Eles não combinam com disputas secretas ou manipulações
emocionais, sejam elas propositais ou inconscientes.
Quando se percebe indeciso entre
duas amigas, um homem sensível sente-se culpado. Afinal, ao agir de forma
ambivalente ele está provocando conflito entre duas pessoas que se gostam. No
segundo momento, ao notar que as amigas parecem não se incomodar com a sua indecisão,
vem o alívio: não é que elas são realmente modernas? Só depois lhe ocorre, num
lampejo de inteligência, que a esmola é boa demais para ser autêntica. Por trás
dos sorrisos e do “tudo bem, eu não me incomodo” há de fato uma guerrinha em
andamento. Pior, talvez nenhuma delas esteja realmente apaixonada por ele.
Talvez tudo não passe de um xadrez secreto em que os sentimentos por ele são o
elemento menos relevante da disputa. O que conta é o placar da velha rivalidade
entre as amigas e os sentimentos subterrâneos que a alimentam.
É claro que amigos também
disputam mulheres entre si, talvez movidos pelas mesmas rivalidades obscuras.
Mas o jogo é travado de forma distinta, com resultados diferentes. Os homens
raramente são sutis. Eles pressionam, fazem cena, exigem solução, resposta,
escolha. Os sentimentos são expostos de forma pública, com consequências óbvias
sobre a amizade. Ela estremece, racha, às vezes se desfaz. As mulheres, por
disputar às escondidas, podem fingir depois que nada aconteceu, e retomar a
amizade – assim como a implacável e risonha competição.
Tendo visto algumas coisas desse
tipo, recomendo cautela aos envolvidos. Mesmo homens que se julgam durões
talvez devessem declinar do papel de prêmio de disputa entre amigas. As águas
nessas regiões afetivas são sempre mais profundas e perigosas do que parecem.
As amigas – e os amigos, claro – talvez devessem evitar competir pela mesma
pessoa. Será mesmo que não há mais ninguém no mundo? Trata-se de desejo
irrefreável ou seria a apenas competitividade exaltada pelo longo convívio?
Como eu disse, as grandes amizades são sentimentos complexos e contraditórios,
assim como intensos. Únicos também. E imensamente necessários. Preservá-los
talvez devesse ser uma prioridade na nossa vida – ou mesmo fora dela, quando
nos sentimos na posição de ameaçar a amizade dos outros.
Ivan Martins
Fonte: Época
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