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Nelson Vinencci - é cantor e compositor amazônico |
Foi ao sair da lua, noite
escurecida de fevereiro, terça feira, sexto dia do mês, véspera de lua cheia,
que a chuva chegou em Santarém. Eu sentado no canto do salão, na mesa redonda
ao lado esquerdo de quem entra no Bar Mascote, vi as primeiras águas celestes
caindo e molhando o meu amigo músico Tony, que ensacava seu violão apressado.
Curiosamente visitei o Google no
celular e apareceu em um site desses de horóscopo o seguinte: “Fevereiro é um
mês importante, o mês começa com Mercúrio unido ao Sol em Aquário, o que é um
ótimo aspecto para as comunicações, a publicidade, as amizades e a vida
social”... Então pensei; e eu com isso? Queria outras palavras...
O mês de fevereiro é o mais
importante para os brasileiros, porque tem o carnaval, cachaçada, e a sacanagem
se liberta na euforia da alma do brasileiro, eu agora já quase com meio século
de vida, nunca fui amante do carnaval, até que tentei, mas fico triste na
folia, nunca descobri por que, e nem quero...
Ao ver a chuva carnavalesca que
caia fora do Bar Mascote, me veio repentinamente lembranças da minha infância
em Oriximiná, era em dias chuvosos de fevereiro que costumava-mos em casa a
fazer uma panelada de mingau de jerimum com arroz.
Então íamos para o quarto, eu e
meus irmãos, cada um com uma cuia de mingua, já bem empoado de canela, em
direção das redes, e conversávamos sobre o mundo caboclo nosso daqueles dias,
que vivíamos sem muita frescura, mas apenas com a razão de existir.
Eu moleque traquino, pulador dos
quinteirais, vivia cheio de pereba nas pernas e a mais comum micose daquela
época o ‘mijacão’ que aparecia na gente, por pisar em merda de gado, era uma
doencinha furreca, que coçava o vão dos dedos, mas coçava gostoso.
Assim me aprumava na rede bem
baixinha, com a cuia de mingau já na base da raspa da cuia, e enfiava a beira
da rede entre o vão do dedão, empestado de mijacão e roçava num vai e vem,
atiçando uma coceira das mais gostosas que um curumim como eu poderia sentir
naquele momento da vida.
Roçava, roçava, até esquentar o
dedo, aí após a coceira dar uma trégua, vinha um ardume desgraçado que só um
moleque amarelão como eu, agüentava a peia. Levantava da rede e ia em direção
da panela de mingau que ficava em cima do fogão.
Meio capenga, o ardume quase
passando no vão do dedo, tornava a encher a cuia, passava pela mesa da cozinha
e cobria o mingau com pó de canela, voltava para a rede, então me punha ao
agasalho matinal enquanto a chuva chiava na telha de barro.
Era comum a gente colocar uma
latinha de óleo seca, na biqueira da casa para fazer um poc, poc, poc, dos
pingos da chuva. Enquanto a lata, meia enterrada, no chão debaixo da bica fazia
seu barulhinho bom, surgia então essa fantasia maravilhosa, que as chuvas de
fevereiro marcou para sempre seus dias lúdicos em mim.