“Sai-Cinza, 05 de dezembro
de 2012.
Nós, alunos do Projeto
Ibaorebu, vimos por esta carta aberta trazer informações importantes sobre
nossa realidade, noticiar fatos que trarão grandes transtornos à nossa
sobrevivência cultural enquanto povo, enquanto nação, nesse país.
Bom dia, parentes de todo o
país, todos os brasileiros, de todas as regiões, das cidades, dos lugares mais
distantes e isolados. O que temos enfrentado são muitas dificuldades, mas a
maior de todas é o que estamos vivenciando no momento, com as ameaças das
construções dos complexos hidrelétricos em nossos rios, fora os garimpos e
outros assuntos que estamos discutindo, desde muito tempo.
Queremos que o Governo, as
autoridades, respeitem as nossas conquistas, as nossas lutas, nosso território,
nossas riquezas, nossa cultura, nossa biodiversidade. Por mais que a nossa
Terra Tradicional esteja demarcada, em face disso estamos enfrentando o maior
pesadelo, que são as construções das usinas hidrelétricas ao longo de nosso
rio.
Como podemos viver,
sobreviver, sem a nossa história? Como podemos preservar e continuar com a
nossa cultura milenar? Como continuar existindo, se os projetos ameaçam nossa
sobrevivência física e cultural?
Somos protetores da
natureza, vivemos dela, sobrevivemos e somos parte dela. Portanto, as
conquistas não foram fáceis, houve lutas e mortes. Os nossos pais morreram
lutando. Agora querem destruir os nossos sonhos. Querem passar por cima das
leis, das nossas conquistas, dos nossos direitos. Temos direito à terra, à
educação, e não merecemos isso. Portanto, lideranças políticas, ouçam os povos
indígenas dessa nação!”
alunos mundurucu formandos
“Nós somos alunos da etnia
Munduruku, localizados no sudoeste do Pará. Nós temos 118 aldeias, moramos na
margem esquerda do Rio Tapajós, no município de Jacareacanga.
Viemos por meio desta
manifestar a Vossa Excelência nossa preocupação com o grande projeto do Governo
Federal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós. Será que os
governantes não entendem a nossa Constituição Federal de 1988, especialmente os
Artigos 231 e 232? Será que os não índios não entendem o nosso desenvolvimento
e que o nosso processo é diferente dos brancos?
Os governantes estão nos
desafiando: vocês não entendem que colocamos vocês para governar esse nosso
país, Brasil. Se os Governos Federal, Estadual e Municipal não desistirem de
construir barragens, já temos um plano para as próximas eleições, temos a nossa
decisão e o futuro de vocês está em nossas mãos.
Nos deixem em paz! Não façam
coisas ruins para nós, Povo Munduruku. Porque essas barragens vão trazer
destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a
construção das barragens.
O Governo não traz coisas
que são importantes para a vida do nosso Povo Munduruku, para suprir as
necessidades que temos, como: educação de qualidade, ensino médio e ensino
superior diferenciado, posto de saúde adequado. Isso é importante para a vida
do nosso povo. Agora, a destruição do nosso meio ambiente jamais aceitaremos e
nunca deixaremos que isso aconteça. Porque nós já moramos há mais de 500 anos
dentro da floresta, não tivemos contatos com não índios e não queremos
transformar em mercadoria a nossa floresta! Porque a nossa mata, a nossa terra,
os nossos rios, são a nossa mãe, a nossa vida.
Portanto, não destruímos o
que guardamos com tanto carinho e com respeito, porque nela existem vários
lugares sagrados, são importantes para a vida do nosso povo e para a vida dos
animais. Guardamos nossa terra tradicionalmente. Jamais pensamos em fazer
maldade com os não índios, não temos preconceito nenhum com os não índios. Eles
que tem preconceito com os indígenas.
Finalizamos esta carta, que
foi elaborada pelos estudantes do curso Magistério do Projeto Ibaorebu,
dirigida aos irmãos indígenas e não indígenas, e às autoridades máximas.
Pedimos apoio aos jovens e àquelas pessoas interessadas a ajudar o povo sofrido
e preocupado.
Aldeia Sai-Cinza, 10 de
dezembro de 2012”
“Somos Munduruku da região do Alto Tapajós,
povo guerreiro e temido, certamente muito admirado por ter uma cultura
diferente. Temos conhecimentos da natureza, sabemos de sua importância e
utilidade para nosso modo de subsistência. Existe a biodiversidade, portanto,
todo o nosso conhecimento está guardado ali. Por isso, nós não a destruímos
porque dela tiramos algo importante.
A natureza existe porque os
nossos antepassados se submeteram a um sacrifício para que houvesse a natureza
em pé e ter sempre a vida. Na verdade, as árvores contêm o nosso sangue,
portanto nos dá vida. Por essa razão, as respeitamos, não destruímos.
Temos a imensa riqueza,
possuímos não para fazer grande acúmulo e, sim, deixar guardado com segurança e
em seu devido lugar. Dependemos realmente dessa natureza, é ela que nos ensina,
é ela que nos mantém seguros. Ela nos dá saúde, nos dá vida, nela existe toda
fonte de riqueza. A natureza, para nós, é um sistema de equilíbrio e, por isso,
temos harmonia. Para nós, ela é sagrada. Ela tem suas normas, regras e suas
leis. Por isso que temos boas relações com ela e a respeitamos.
Não somos contra o
desenvolvimento e nem o progresso. Mas somos totalmente contra a destruição da
nossa floresta, isso causa impacto no nosso ambiente. NÓS NÃO ACEITAMOS O
DESENVOLVIMENTO E O PROGRESSO DESSE TIPO. Somos contra a destruição da nossa
floresta, somos contra a violação dos nossos direitos, como: violência,
assassinatos, genocídios, discriminação, terras não demarcadas e desrespeito.
O Governo pensa em construir
grandes projetos em Terras Indígenas e faz grandes investimentos, quando nós,
indígenas, reivindicamos os nossos direitos para melhoria da educação, saúde,
segurança e etc. O Governo diz que não há recursos para garantir a nossa qualidade
de vida, mas com essas construções quer nos destruir e acabar conosco e com a
floresta. E pensa, assim, em acabar com a população indígena no Brasil. Será
que é dessa maneira que o Governo pensa em progresso, em desenvolvimento?
Acreditamos que isso não é desenvolvimento, nem progresso.
E se perdermos nossas
terras, nossas culturas, o Governo vai garantir resolver os problemas do mundo?
Vai acabar com as desigualdades sociais? E o desemprego, as doenças e a
miséria? O Governo vai garantir dar salário a todas as pessoas desempregadas e,
assim, acabar com a pobreza?
O que o mundo inteiro pensa
da resistência dos povos indígenas no Brasil e no mundo? Somos povos que
preservam a natureza; que vivem de acordo com suas tradições, deixadas como
herança dos antepassados; que mantêm em perfeito equilíbrio o funcionamento do
sistema planetário.
É triste lembrar de tantas
violações aos direitos indígenas. As nossas lágrimas chegam a inundar algumas
cidades, em algumas regiões, de tanto chorarmos. E, em outras regiões, aparecem
secas, é porque nossos olhos não contêm mais lágrimas. É assim que são
anunciadas as notícias na mídia, como notícias de catástrofes e são
interpretadas como mudanças climáticas no planeta.
O que os países mais ricos
do mundo pensam de nós? Como nos veem? Pensam em nos socorrer? Ou deixam que
isso aconteça, que ninguém se mobilize e aconteça a extinção da floresta e dos
povos indígenas?
Não estamos preocupados
apenas por sermos Munduruku, essa mensagem é para todas as nações existentes no
mundo.
A Amazônia tem floresta em
pbemos que, sendo assim, ela nos dá vida, porque ela também é responsável pela
vida no planeta. Nós, Munduruku, o que somos realmente? Somos assim tão
insignificantes? Os governantes não se preocupam com o bem estar social dos indígenas?
Ainda pensam em nós como
caçadores de cabeça, como viveram nossos antepassados. Não somos bárbaros, mas
isso é a demonstração de nossa bravura. Mostra que conseguimos troféus com
lutas, lutas que temos não por acaso. Isso mostra a nossa verdadeira
identidade, que somos verdadeiros guerreiros, os guardiões da floresta.
Cadê a admiração da
sociedade envolvente? Nos vê apenas como mercadorias para fazer negócios?
Querem apenas nos explorar? Querem nos usar como fontes de pesquisas
científicas, para extraírem os conhecimentos que temos guardados há milhares de
anos? Não vemos assim nenhuma valorização da nossa cultura. Somos esquecidos,
mas nós lembramos das outras nações”.
Mensagem do educador Jairo
Saw Munduruku, do clã Saw (saúva da noite), clã vermelho. Nome em Munduruku:
Saw Exebu – “aquele que está sempre junto”.
“Eu, indígena do Povo Munduruku, venho dizer
ao Governo que acho que já está na hora do Governo brasileiro respeitar a
vontade e os direitos dos Povos Indígenas. Há mais de 500 anos já estávamos
nesta terra, cansamos de dizer que este é o nosso território. O Governo Federal
criou uma Constituição para defender e amparar os direitos indígenas, mas mesmo
assim vem atropelando e desrespeitando a nossa vontade. Por isso quero dizer que,
no Brasil, não existe lei e nem justiça, porque a Amazônia está sendo
devastada, as terras indígenas sendo invadidas, lideranças sendo perseguidas,
caciques sendo assassinados defendendo seus direitos.
Além do sofrimento que já
passamos com tudo o que vem acontecendo, a AGU ainda criou uma Portaria 303,
que consideramos um assassino para nossos direitos. O Governo cria essa lei
porque não tem coração, não é ser humano, não vê natureza bonita, não sente
amor… Governo só sonha com dinheiro; nós sonhamos com dias melhores, em
harmonia com a natureza e consumindo a natureza com sustentabilidade, viver com
saúde, ter uma educação diferenciada, de acordo com nossos direitos.
Não mentimos! Por isso,
Governo Federal ou AGU, venham conhecer nossa realidade, ver que a Amazônia
está se acabando e respeitar e ouvir nosso clamor”
Sandro Waro Munduruku –
Aldeia Teles Pires/PA – 11/12/12
Blog do Pe. Nello