É livre quem pode fazer o que quiser — dentro das suas
limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só se é livre dentro de certos
limites. Portanto, toda liberdade é condicional.
Só é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem
qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a liberdade
suprema só existe nas tiranias.
Dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade
do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal distribuída e o meu
vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de
liberdade, liberdade mesmo que tadinha? Não é feio sugerir um reestudo da
divisão.
Cuidado corre quem dá aos outros toda a liberdade.
Geralmente é quem pode tirá-la.
Há os que passam o dia inteiro livres e chegam em casa se
queixando disso. São os motoristas de táxi. Toda liberdade é relativa.
Toda liberdade é relativa. Verdade exemplarmente ilustrada
por este diálogo entre o preso e o carcereiro.
— Nunca mais vou sair daqui.
— Calma. Não desanime.
— Não tem jeito. Estou aqui para sempre.
— Vou ver o que posso fazer por você -
— Não adianta. Estou condenado. Desta prisão eu não saio. Se
esqueceram de mim.
— Eu não esquecerei. Voltarei para visitá-lo.
— Promete? — diz o carcereiro.
Quem é livre às vezes não sabe. Quem não é livre sempre
sabe. Ou será o contrário? A gente vê tanta gente inexplicavelmente feliz.
Alguns são obcecados pela liberdade e prisioneiros da sua
obsessão.
Os loucos são livres e vivem presos por isso.
Poderia se dizer que livre, livre mesmo, é quem decide de
uma hora para outra que naquela noite quer jantar em Paris e pega um avião. Mas
mesmo este depende de estar com o passaporte em dia e encontrar lugar na
primeira classe. E nunca escapará da dura realidade de que só chegará em Paris
para o almoço do dia seguinte. O planeta tem seus protocolos.
Fala-se em liberdade como se ela fosse um absoluto. Mas
dizer “eu quero ser livre” é o mesmo que dizer “eu quero” e não dizer o quê.
Existe a Liberdade De e a Liberdade Para. Não é uma questão apenas de
preposições e semântica. E a questão do mundo. O liberalismo clássico iconizou
a Liberdade Para. Você é livre se tem liberdade para dizer o que pensa e fazer
o que quer, para ir e vir e exercer o seu individualismo até o fim, ou até o
limite da liberdade do outro. A idéia de que a verdadeira liberdade é a
Liberdade De é recente. Livre de verdade é quem é livre da fome, da miséria, da
injustiça, da liberdade predatória dos outros. A idéia é recente porque antes era
inconcebível.
Ser livre do despotismo era automaticamente ser livre para o
que se quisesse, para a vida e a procura individual do paraíso. Foi preciso uma
virada no pensamento humano para concluir que Liberdade Para e Liberdade De não
eram necessariamente a mesma liberdade e outra virada para concluir que eram
antagônicas. A última virada é a decisão de que uma liberdade precisa morrer
para que a outra viva. Não concorde com ela muito rapidamente.
Enfim, de todos os crimes que se cometem em nome da liberdade,
o pior é a retórica.
Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre,
completamente livre, é a que não tem medo do ridículo.
Luis Fernando Veríssimo
Retirado do Livro “Em algum lugar do paraíso”
Fonte: Site solte a palavra