Leio no "Globo" que, no México, a língua de uma aldeia está condenada a desaparecer por falta de fluentes -só restam dois homens capazes de falá-la. Mas, embora sejam vizinhos, eles não se dão e não têm nada a dizer um ao outro. Além disso, já estão com certa idade -75 e 69 anos- e não transmitiram a língua a seus descendentes. Bastará que um dos dois morra para que ela seja declarada oficialmente extinta.
O desaparecimento de uma língua não é um fenômeno incomum. Acontece o tempo todo e em toda parte -em arquipélagos, grotões, montanhas, na selva e até nos guetos das megalópoles. Os motivos são vários: migrações, urbanização, a televisão, a ditadura da língua dominante e até mesmo a proibição de usar a língua nativa. Mas, sempre que uma língua emudece, a humanidade fica mais pobre.
A língua em questão é o ayapaneco, da vila de Ayapa, no sul do México. Nos últimos 500 anos, o ayapaneco sobreviveu ao conquistador Hernán Cortés, aos massacres étnicos, às incontáveis revoluções, ao peso esmagador dos EUA no cangote dos mexicanos e até à supremacia por decreto do espanhol (de uso obrigatório). Mas não sobreviverá ao desinteresse de seus jovens em continuar falando-o.
Quando uma língua deixa de existir, tudo que ela designava vai para o limbo -objetos, costumes, gírias, cheiros, sensações. Junto com o código, o entorno inteiro se evapora. E é possível que, na cultura de Ayapa, haja coisas que só fazem sentido em ayapaneco.
Uma receita exclusiva de panqueca, por exemplo, talvez nunca mais seja executada. Ou um jeito de cantar para ninar, de pedir uma informação, de reagir a uma martelada no dedo. E quem saberá reproduzir o que um homem e uma mulher ayapanequenses sussurravam um para o outro ao fazer nheco-nheco e que só podia ser dito em ayapaneco?
A crônica acima foi publicada no jornal Folha de São Paulo em 20/abr, no endereço http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2004201105.htm
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