Amigos, redigi um post criticando a aprovação, pelo Congresso, de plebiscitos para dividir o Estado do Pará com a criação de dois novos Estados, Tapajós, no oeste paraense, e Carajás, no sul, pelas razões que podem ser encontradas aqui.
Recebi muitas críticas de leitores que, fundamentalmente, alegam que desconheço a realidade das regiões — a maioria deles leitores residentes no que seria o futuro Estado do Tapajós.
Como esta é uma coluna democrática, abro espaço para que o amigo do blog Caetano Scannavino Filho — um paulistano que vive em Santarém há 23 anos, visivelmente apaixonado pela região e coordenador da ONG Projeto Saúde e Alegria — apresente argumentos em favor da criação, no caso, de Tajapós.
A discussão sobre a divisão do Pará pode e deve ser nacional. No entanto, o Brasil precisa entender a Amazônia. Fala-se muito na sua internacionalização, mas o que se precisa mesmo é nacionalizá-la, sobretudo para que o principal centro econômico e de formação de opinião – o eixo São Paulo-Rio – compreenda melhor suas realidades, desafios, culturas e oportunidades de negócios.
Aí deixará de enxergá-la como um “ônus” que só tem conflitos e desmates, e perceberá que temos um grande “bônus” nas mãos, uma riqueza imensurável que, se manejada de forma sustentada e includente, poderá impactar o nosso Produto Interno Bruto (PIB) e justificar que o Brasil, o “país do futuro” que ouvíamos na infância, chegou.
Há vários projetos para criação de novos Estados tramitando no Congresso.
Nesse caso, a lógica comum do pensamento vai ser sempre tender para o oportunismo, os custos de implantação, a solução que não é solução, entre outros argumentos coerentes. Mas não podemos colocar toda farinha no mesmo saco – aliás, estaríamos escondendo as delicias da farinha “puba” do Tapajós, algo muito típico e especial da nossa região.
É importante entender que cada caso é um caso.
Tratarei aqui da Amazônia – onde municípios têm o tamanho de Estados e estes, de países – mais especificamente da nossa região do Baixo Amazonas.
Distâncias e falta de políticas adaptadas à realidade do Oeste
A proposta pelo Estado do Tapajós não consiste na divisão de uma área já interligada como o Triângulo Mineiro, mas sim de uma parcela imensa da Amazônia, sem facilidades de transporte, sem energia, sem comunicação, sem saúde, sem acesso à educação, com contextos bastante distintos dentro de um mesmo Pará.
A região de Santarém, município polo do Baixo Amazonas, está a quase 1.000 quilômetros de Belém ou de Manaus (1 hora de avião ou 2,5 dias de barco), não tem poder significativo para eleger governador (decidido no eixo Belém-Ananindeua, de maior concentração populacional) e tampouco vê acontecer políticas estaduais sendo aplicadas e/ou adaptadas para a realidade do Oeste do Estado.
Nascido em São Paulo e morador santareno há 23 anos, nunca fui um entusiasta pela divisão do Pará e sempre acreditei que uma gestão estadual descentralizada poderia responder em parte às demandas da região Oeste. Depois de testemunhar mais de 5 sucessões, porém, com 5 governos de “a” a “z”, percebi que a coisa é mais embaixo. É de identidade territorial mesmo.
Poderia discorrer sobre “somos esquecidos”, “excluídos”, mas devemos lançar o debate para frente. A região do Baixo Amazonas tem uma dinâmica própria, está na confluência de importantes rios, no ponto final (ou inicial) da rodovia BR-163, que está sendo asfaltada, ligando-a com o centro do país, num processo ainda intenso de ocupação, de expansão da fronteira agrícola e de empreendimentos mineradores e de energia, entre outros.
Fronteira altamente estratégica
Enfim, trata-se de uma fronteira altamente estratégica para o futuro da Amazônia, situada no meio entre o “já desmatado” (leste, sentido Belém) e o “desmatamento a ser evitado” (extensões florestais a oeste, sentido Manaus), demandando há tempos de uma governança própria que atenda a suas realidades, contextos, desafios e cultura a partir de sua identidade regional. Isto já numa Amazônia com sérios problemas de governança.
Não sejamos ingênuos se, em uma primeira eleição ao governo do futuro Estado de Tapajós, tivermos na disputa um candidato oriundo de Manaus e outro de Belém, mas não tratamos aqui de um momento no curto prazo da história, e sim de fazer historia para as próximas décadas.
Pensar no futuro é vislumbrar o potencial do Tapajós como o Estado verde da União, com suas unidades de conservação, vocação florestal, condições propicias para negócios sustentáveis, ecoturismo, serviços ambientais… quem sabe um modelo de desenvolvimento “2.0” que agregue o social, o econômico, o ambiental, o cultural e possa impulsionar uma outra visão para o resto do país.
Diálogo mais direto com Brasília do que com Belém
Na história recente dessa região cheia de problemas, a mobilização em torno da “guerra da soja”, culminando num positivo acordo de moratória, do ordenamento territorial com a criação de novas áreas protegidas, do reenquadramento de grandes empreendimentos (mineração, agronegócio, etc) em prol de mais responsabilidade socioambiental, do “Plano BR-163 Sustentável”, da criação do primeiro Distrito Florestal Sustentável (DFS) do país, entre outros exemplos, partiu muito mais dos atores locais (públicos, empresariais, sociais) articulados do que de iniciativas da gestão estadual – em geral “participassiva” ou contrária ou obrigada a fazer por pressão – mesmo quando de sua competência.
A ausência e/ou inadequação do ente estadual no atendimento às peculiaridades do Médio Amazonas acarretou há tempos uma cultura de diálogo muito mais direta da região com Brasília do que com Belém. Isto também tem custos.
E temos que admitir que custos são inevitáveis quando se cria um novo Estado. Mas não pretendo retrucar falando das receitas de ICMS da BR-163 (ainda maiores quando asfaltada), dos impostos/compensações dos empreendimentos mineradores (Juruti, Trombetas), entre outros recursos financeiros que vão para Belém e não retornam na mesma proporção à região.
O fato é que, se formos simplificar a análise da sustentabilidade ao numero de habitantes x impostos, então é melhor excluir a Amazônia do mapa, fechar os olhos para as oportunidades e potenciais e esquecer da sua importância para o país e o mundo, além de não querer entender que sem solução para o social não se resolve o ambiental. De uma certa forma, São Paulo precisa, sim, pagar a conta da Amazônia hoje para a Amazônia sustentar São Paulo amanhã.
Sonhar não é proibido
Sim, é um desafio imenso, uma batalha constante, mas sonhar não é proibido. Não é nem essa questão dos outros sempre estarem decidindo pela gente, dos “mocorongos” (termo aos nascidos em Santarém) também serem cidadãos brasileiros…
Só queremos uma chance para o debate, mas que vá além do dizer “não” apenas por causa de outros projetos de criação de novos Estados…de se abrir um precedente perigoso…de farra de políticos…de mais salários para deputados e senadores… O que foi aprovado no Congresso não foi a criação do Estado do Tapajós, mas sim um processo de consulta popular, do qual virão à tona os prós e contras. Enfim, uma discussão extremamente saudável.
Perdão pela extensão da mensagem, mas se já é difícil o Brasil entender a Amazonia, mais ainda é compreender os “Parás”. Para os interessados em entender mais como surgiu esse movimento secular pelo Tapajós, segue link para um post recente do jornalista Manoel Dutra.
Já ouvi o Samba do Nativo Doido, mas, ainda não tinha ouvido o Samba do Nativo Verde. Enfim, o sujeiro é a favor ou contra, ou muito pelo contrário.
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