“Será a primeira vez no país que a divisão de um estado será realizada através de um plebiscito”, diz Edilberto Sena, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, os vários outros novos estados emancipados no Brasil foram feitos através de decisão de cima para baixo, sem participação das populações. “Esta é uma oportunidade importante de politização dos eleitores e das eleitoras para a decisão de emancipar ou não as duas regiões”.
Na opinião de Sena, só crescimento econômico, como existe hoje, não adianta para se criar um novo estado. “O Pará atual é o quarto maior exportador de produtos primários e semielaborados do país. No entanto, é o décimo sexto em desenvolvimento humano, na lista do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. Inaceitável! Com o SIM ou com o NÃO, o povo necessita dar um basta nisso o quanto antes”, desabafa.
Edilberto Sena é padre coordenador geral da Rádio Rural de Santarém, presidente da Rede Notícias da Amazônia – RNA e membro da Frente em Defesa da Amazônia – FDA.
Pe. Edilberto Sena |
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Desde os anos 1950 surgem propostas para dividir o estado do Pará. Como o senhor vê a proposta de criar os estados de Tapajós e Carajás no território do Pará? Quem se favorece com a criação desses estados?
Edilberto Sena – O sonho de emancipação da região oeste do Pará, também chamado estado do Tapajós, é mais antigo que 1950. Já no tempo do Imperador Pedro II se pensava em dividir a grande província do Grão-Pará. Dentre as principais razões para a necessidade de emancipação desta região está a questão da distância da capital (750 km entre Santarém e Belém, 52 horas de barco, uma hora de avião e uma longa viagem pelas rodovias BR 163 e Transamazônica). Além disso, o que mais prejudica a região é o que chamo de ideologia Centro versus Periferia, pela qual o centro se apodera da maior parte das rendas do estado e as periferias ficam com as sobras. Mas nós, que lutamos pela emancipação, temos consciência que variados são os interesses envolvidos no caso: políticos, ficha limpa e ficha suja, grandes empresas, donos de agronegócio, gaúchos e mato-grossenses da soja. Porém, não apenas eles. Em todos os 26 municípios do oeste do Pará, há movimentos sociais, de estudantes universitários, inclusive grupos da Igreja Católica que lutam pela emancipação da região oeste deste estado.
No próximo dia 11 de dezembro haverá o plebiscito pelo SIM ou pelo NÃO da emancipação. Duas regiões estão em jogo no plebiscito, o sul e o oeste do estado, Carajás e . Será a primeira vez no país que a divisão de um estado será realizada por meio de um plebiscito. Os vários outros novos estados emancipados no Brasil foram feitos através de decisão de cima para baixo, sem participação das populações. Esta é uma oportunidade importante de politização dos eleitores e das eleitoras para a decisão de emancipar ou não as duas regiões.
IHU On-Line – Quais serão as implicações políticas e econômicas para a região, caso o Pará seja dividido em outros estados?
Edilberto Sena – Consequências serão várias. Entre outras, a possibilidade das duas populações estarem mais próximas dos centros administrativos, exigindo seus direitos, intervindo nas decisões de interesse coletivo, a possibilidade de se construir uma constituição realmente nova, cidadã, com regras mais participativas da população. Além disso, haverá maior entrada de recursos políticos e financeiros nas duas regiões, se a população desses territórios exercer seu papel cidadão.
IHU On-Line – Como se dará o desenvolvimento social na região caso sejam criados os dois novos estados?
Edilberto Sena – O desenvolvimento social das duas populações será uma possibilidade. Como a concretização dos dois novos estados terá ainda uma longa estrada a ser trilhada, além do plebiscito, se o SIM passar, o projeto vai para o Congresso Nacional e até à Presidência da República. Isso vai levar uns cinco ou, quem sabe, dez anos. Nesse período, haverá oportunidade de envolvimento das populações dos municípios na compreensão do que é participação democrática, de como se construir uma constituição estadual que rompa a ideologia centro versus periferias. Ter-se-á possibilidade de inclusão de artigos que estão na Constituição Federal e que não são postas em prática, como o uso do referendo e plebiscito para decisões importantes do estado, entre outras. O desenvolvimento só será possível com maior envolvimento da sociedade civil politizada. Essa é a grande possibilidade de acontecer no processo de emancipação.
Riquezas naturais são abundantes nas duas regiões, especialmente aqui na região oeste, em que abundam florestas, rios, lagos e minerais. O grande capital está também interessado no novo estado para poder dominar mais facilmente, explorar, saquear, como já faz hoje, mas dominando o poder político. Esse será o grande embate no processo de emancipação e só a intensa politização das organizações populares, que há em abundância na região, poderá controlar o domínio do poder econômico. Só crescimento econômico, como existe hoje, não adianta para se criar um novo estado. O Pará atual é o quarto maior exportador de produtos primários e semielaborados do país. No entanto, é o décimo sexto em desenvolvimento humano na lista do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. Inaceitável! Com o SIM ou com o NÃO, o povo necessita dar um basta nisso o quanto antes.
Há que se enfrentar outro grande desafio: o federalismo brasileiro, extremamente concentrador de poder no governo central. Brasília, assim, trata a Amazônia como uma colônia de exploração de riquezas para aumentar o PIB nacional. Daí, a lei Kandir, de triste lembrança, está aí para sugar as riquezas da região sem trazer desenvolvimento. Como a maioria dos políticos atuais é oportunista e incompetente para defender os interesses de seus eleitores, não os vemos lutarem para mudar este centralismo democrático do país.
IHU On-Line – Como a Igreja se posiciona diante dessa possibilidade separatista?
Edilberto Sena – A Igreja Católica é uma força importante na politização da população. A diocese de Santarém já entrou na luta pela emancipação. Acontece que o Regional Norte II da CNBB é composto de 14 bispos, dos quais seis são das duas regiões que buscam emancipação. Apesar de o bispo de Santarém estar engajado na campanha emancipatória, alguns outros não veem como vantagem lá no sul do Pará. E menos ainda os da região do entorno de Belém. O raciocínio deles é de receio de perda de benefícios para seus irmãos de lá; não se preocupam com as perdas dos irmãos de cá.
Mapa de como seria a divisão dos três estados, e suas respectivas capitais
IHU On-Line – Como os movimentos sociais reagiram diante da possibilidade de criar dois novos estados? Que articulações estão sendo feitas para impedir a criação de Tapajós e Carajás?
Edilberto Sena – Hoje, aumenta a participação dos movimentos sociais na politização da população, especialmente aqui no oeste do estado, onde o sonho de emancipação é mais antigo e as populações são mais nativas. Na região sul, a presença de migrantes predomina, inclusive com ostensivo domínio de grandes empresas, como a Vale do Rio Doce, grandes fazendas e grilagem. Existe mesmo a possibilidade de o SIM passar no oeste e não passar no sul do estado, pois a votação no plebiscito será com perguntas separadas para as duas regiões, de forma que o eleitor poderá votar SIM para o oeste e votar NÃO para o sul do estado.
IHU On-Line – Como ficaria a situação de Belo Monte, no Tapajós?
Edilberto Sena – As hidrelétricas são grandes desastres impostos pelo governo federal, nessa esdrúxula federação em que a presidente se arvora em dona da Amazônia e impõe essas hidrelétricas na região, sem respeitar os direitos dos povos aqui existentes. Agora mesmo o presidente do Ibama, subserviente aos planos de sua chefe, decide permitir o desmatamento de 1437 hectares de floresta, inclusive com 168 hectares de Área de Proteção Permanente, para acelerar a construção do desastre Belo Monte lá no rio Xingu. As hidrelétricas, tanto Belo Monte como as na bacia do Tapajós, não têm nada a ver com a emancipação. Elas são um plano, parte do Projeto IIRSA para atender o grande capital, que já está implantado na região e que a população organizada pode impedir, como já se está tentando fazendo.
IHU On-Line – Como o senhor vê a iniciativa de decidir essa questão através de um plebiscito? Como a população tem reagido à possibilidade de dividir o Pará?
Edilberto Sena – O plebiscito é importante por permitir que as populações se expressem com liberdade. Mais ainda, por ser oportunidade de politização, se as forças formadoras de opinião abrirem debates, seminários, como está acontecendo aqui na região oeste. O Rio Grande do Sul nos deu um grande exemplo, no tempo do governo Olívio Dutra, de que outro modo de administrar a coisa pública é possível. Ele ainda será convidado a vir aqui em Santarém nos dar uma aula do que é possível fazer junto com o povo. Para uns, somos loucos sonhadores de um sonho impossível, por causa do sistema capitalista. Mas nós preferimos nos mirar em Mahatma Gandhi e Nelson Mandela e em seus ideais que venceram contra terríveis sistemas.
Fonte: Site IHU
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