Torço para que a
quantidade bizarra de histórias sobre rapazes que crêem que moças são objetos à
sua disposição seja consequência do aumento de informação circulando por conta
do crescimento das ferramentas de redes sociais e não por causa de uma mudança
no comportamento da molecada. Ou seja, fatos que já aconteciam antes e que,
agora, deixaram a penumbra e ganharam visibilidade. Caso contrário, vou entrar
em depressão profunda.
Recebi reclamações de
amigas que cansaram de se sentir como estátua de santa, daquelas que todo mundo
passa a mão, em baladas. Isso não é novo mas, antes, o palhaço da história,
quando tomava uma bronca, ficava constrangido pelo menos. Agora, ouço casos em
que o homem (sic) fica agressivo e violento ao assediar e ser repreendido.
Não vou chover no
molhado e discutir que muitos pais, para compensar a ausência, satisfazem todos
os desejos dos filhos, criando pessoas que não conhecem frustração e não são
capazes nem de viver em uma alcateia com lobos, que dirá em uma sociedade
complexa. Eles podem tudo o que querem quando crianças e, ao crescerem,
continuam acreditando que não há nenhuma barreira entre eles e sua felicidade. Que é só chegar lá e pegar. Que tudo tem um
preço, inclusive pessoas.
Fiquei bege quando ouvi
a história de um moleque que achou bonito assediar uma moça com uma cédula de
dinheiro na balada, dando a entender que ela estava à venda. Depois de pedir,
várias vezes, para que parasse com aquilo, ela pegou a nota, rasgou-a ao meio e
devolveu a ele. O pimpolho, claro, ficou possesso e foi para cima.
Provavelmente, os outros homens (sic) no entorno acharam que o gajo estava no
seu direito de se defender e não reagiram. Se ela e suas amigas não soubessem
se impor, a história poderia ter acabado como tantas outras.
O homem é programado,
desde pequeno, para que seja agressivo. Raramente a ele é dado o direito que
considere normal oferecer carinho e afeto em público. Manifestar seus sentimentos
de uma forma mais delicada é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de bicha. De quem
está fora do seu papel. E vamos causando outros danos no caminho: há mulheres
que, para serem aceitas nesse mundo de homens, buscam nos copiar no que temos
de mais idiota.
Dou aula em uma
universidade que possui muitos desses jovens mimados que acham que a cidade é
uma extensão da tela do seu videogame, as ruas, um anexo do banheiro que usam
pela manhã diariamente e o carro, uma continuidade do seu pênis. Ou complemento,
o que varia de acordo com a forma com que cada um encara suas frustrações. Em
muitos casos, basta beberem uma cerveja que passam a agir como se as mulheres
fossem objetos de seu prazer. E não culpem o álcool, que apenas tem o mérito de
desinibir o que já havia lá dentro.
- Você não tem
namorado. Se tivesse, ele não te deixava sair sozinha.
- Mulher minha só vai
para festa comigo do lado.
- Não importa que você
não queira, se não me der um beijo, eu não deixo você ir.
- A culpa não é minha,
olha como você tá vestida!
- Se saiu de casa
usando só isso de roupa, é porque estava pedindo.
- Ei, mina, se liga! Se
não queria ficar comigo, porque topou trocar ideia?
Esse tipo de assédio
verbal ou físico é sim uma forma de violência sexual. E das mais perversas
porque, como tal, não é encarado. Ainda mais porque jovens ricos, bêbados ou
não, não cometem crimes, apenas fazem “molecagens” e, portanto, fora de
cogitação qualquer punição. Isso se aplica apenas a moços pobres que ofenderem
alguém rico na rua. Afinal de contas, eles têm que ser colocados no seu devido
lugar.
Como já disse aqui
antes, ataques como esse traduzem o que parte da nossa sociedade machista
pensa. Que uma mulher que conversa de forma simpática em uma festa está à
disposição, que uma mulher que se veste da forma como queira está à disposição,
que um grupo de mulheres sem “seus homens”, andando na noite em São Paulo, está
à disposição. E quando uma mulher não tem a garantia de que não será
importunada, ofendida ou violentada, com ações ou palavras, toda a sociedade
tem uma parcela de culpa pelo que deixou de fazer.
Rapazes, por fim, vou
contar um segredo. É duro, eu sei, mas alguém tem que fazê-lo. Não chorem, tá?
Lá vai: As mulheres não existem para servir aos homens.
Pronto, vivam com isso.
Fonte: Blog do Sakamoto
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