Não há vício que se não esconda atrás de boas razões; a
princípio, todos são aparentemente modestos e aceitáveis, só que a pouco e
pouco vão-se expandindo. Não conseguirás pôr fim a um vício se deixares que ele
se instale. Toda a paixão é ligeira de início; depois vai-se intensificando, e
à medida que progride vai ganhando forças. É mais difícil libertarmo-nos de uma
paixão do que impedir-lhe o acesso. Ninguém ignora que todas as paixões
decorrem de uma tendência, por assim dizer, natural. A natureza confiou-nos a
tarefa de cuidar de nós próprios, mas, se formos demasiado complacentes, o que
era tendência torna-se vício. Aos actos necessários juntou a natureza o prazer,
não para que fizéssemos deste a nossa finalidade mas apenas para nos tornar
mais agradáveis aquelas coisas sem as quais é impossível a existência. Se o
procuramos por si mesmo, caímos na libertinagem. Resistamos, portanto, às
paixões quando elas se aproximam, já que, conforme disse, é mais fácil não as
deixar entrar do que pô-las fora.
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'
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