Em pleno século XXI, o racismo
midiático elabora e reforça os preconceitos, legitimando a invisibilidade, a
inferiorização e a estigmatização da população negra nos meios de comunicação
de massa
Propaganda Devassa
* Por Cecília Bizerra Sousa
Hoje é véspera do 20 de novembro,
Dia Nacional da Consciência Negra. Dia em que Zumbi, líder do Quilombo dos
Palmares, foi perseguido e morto, no ano de 1695. Embora a data venha sendo lembrada
há tempos pelo Movimento Negro, apenas em 2003 foi reconhecida oficialmente
pelo Estado brasileiro, por meio da Lei n°10.639, que inclui a data no
calendário escolar nacional. E só em 2011 a presidenta Dilma Rousseff sancionou
a Lei n° 12.519, que cria oficialmente a data, sem obrigatoriedade de feriado.
Mesmo assim, um total de 1.047 municípios já decretou feriado para o Dia
Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Para além da reflexão sobre a
contribuição que a população negra teve e tem na construção da sociedade, da
economia e da cultura brasileiras, a data serve também para lembrar que a
desigualdade racial é estruturante na formação da nossa sociedade, e que o
desenvolvimento de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade
racial são primordiais.
E o que isso tem a ver com
comunicação? Muita coisa. Porque, se consciência negra tem a ver com
enfrentamento ao racismo, e o racismo é frequentemente produzido e reproduzido
pelos discursos midiáticos, não há como enfrentá-lo sem também reconhecer a
necessidade de mudanças na comunicação de massa no Brasil, tradicionalmente
branca, concentrada, de natureza familiar e elitista.
Como se não bastasse o histórico
de escravização, que tem notórios reflexos sobre a situação de inferioridade
socioeconômica e cultural em que a população negra brasileira se encontra hoje,
esta população ainda luta, em pleno século XXI, contra o racismo midiático, que
elabora e reforça os preconceitos. Este racismo velado (ou não) atua com
primazia para reforçar a invisibilidade, a inferiorização e a estigmatização da
população negra brasileira nos meios de comunicação. A negação da existência do
racismo, que contribui para a sua reprodução, também faz parte da forma de
atuação desta grande mídia.
Em sua história de lutas, o
Movimento Negro Brasileiro conquistou grandes avanços institucionais, como as
políticas de ação afirmativa para a inclusão de negros e negras nas
universidades e a criação Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial, um órgão com status de ministério que, entre outras coisas, atua na
formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção
da igualdade racial.
Por outro lado, não é fácil esses
avanços e políticas se consolidarem se, no cenário midiático, o racismo é
negado; negros e negras representam papéis subalternos nos enredos; programas
evangélicos demonizam as religiões de matriz africana; a publicidade vende como
nunca a mulher negra; revistas e comerciais exaltam o padrão de beleza
eurocêntrico e vendem a família branca, urbana e de classe média como ideal de
felicidade.
Não à toa, diversas propostas de
legislação e políticas públicas vêm surgindo como fruto do aprofundamento dos
debates envolvendo a questão racial e a comunicação. O Estatuto da Igualdade
Racial conta com um capítulo sobre Comunicação Social. As três edições da
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) e a 1ª
Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) aprovaram resoluções que
recomendam políticas públicas de comunicação voltadas para o combate ao racismo
e a promoção da igualdade racial. Destaca-se também a presença de artigos
contemplando a questão racial no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia
Democrática, formulado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
em conjunto com diversas outras entidades da sociedade civil, diversas
diretamente ligadas à pauta racial.
A democratização da comunicação
é, portanto, questão estratégica e fundamental para o enfrentamento ao racismo
e a consolidação das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil.
Continua urgente uma regulação que coíba o racismo de fato na mídia, que
reavalie a manutenção de concessões de rádio e TV que praticam o racismo em sua
programação, que garanta o direito à diversidade étnica na mídia e a uma
formação que incorpore o debate sobre a questão racial nos cursos de
Comunicação Social.
Sem uma mídia que se comprometa
com a afirmação da diversidade da população brasileira e com o caráter público
da comunicação, a negação do racismo, a inferiorização, estigmatização e
invisibilidade da população negra continuarão presentes na pauta, nas linhas,
imagens e discursos da mídia brasileira.
* Cecília Bizerra Sousa é
jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade de Brasília, militante do Movimento Negro e integrante do
Intervozes.
Fonte: Carta Capital
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