Carlota e Elisabeth (Foto: Ivan Martins) |
Uma é tímida, a outra, impetuosa. Ambas são adoráveis e, à
sua maneira, imprescindíveis
Há dois meses ando apaixonado por um par de gatas. Carlota e
Elisabeth. Elas entraram em casa por insistência da minha mulher e viraram
parte da rotina. E da vida. Miam quando eu chego, sobem na cama e cheiram a
minha cara quando acordo, sentam no meu colo quando estou lendo ou quando
escrevo no computador. Eu falo com elas, brinco com elas, ralho com elas, dou
comida e troco a areia da caixinha. Elas me fazem agradável companhia quando
estou sozinho. Em troca, compro religiosamente a ração cheirosa que elas tanto
apreciam.
O fato de ter um par de gatas não me torna um ser humano
melhor, não me faz sentir uma espécie de ativista e nem desconta a minha culpa
– enorme - por não fazer o que é preciso para melhorar a vida das pessoas
desprotegidas do meu país. Não acho, evidentemente, que minhas gatas são tão
importantes quanto as criaturas humanas que me cercam. Mas tê-las em casa me
deixa contente. Cuidar delas e conviver com elas são atos de prazer egoísta que
me fazem bem, e que talvez façam bem a elas.
A primeira, óbvia, é que é bom cuidar delas. Pequenos
rituais, como o de alimentar e tratar os bichos, são imensamente gratificantes.
Não tomam tempo demais e nos fazem sentir necessários e úteis. Talvez algo em
nós precise dessa responsabilidade sobre outra vida. Seres humanos necessitam
de nós, claro, mas eles são complicados e imprevisíveis. Podem nos criticar,
podem exigir demais de nós ou (infinitamente pior) podem virar as costas e ir
embora. Gatos jamais. Eles não nos abandonam e não nos desapontam. À maneira
deles, vivendo uma vidinha paralela em sua bolha felina, passam a vida conosco.
É improvável que retribuam nossos ternos sentimentos, mas certamente precisam
de nós. E isso basta.
Observando os gatos, sou tentado a fazer comparações e
analogias com os humanos.
Minhas gatas têm personalidades opostas entre si. Elisabeth,
de oito meses, é uma dama elegante e delicada. Minha mulher a chama de
bailarina. Ela se move com leveza pela casa e mantém distância emocional e
física dos humanos. Gosta de tomar banho de sol na janela sem ser importunada.
Quando se aproxima, é nos termos dela. Elisabeth canta. Ou melhor, mia
desconsoladamente e sem razão aparente. De início, achei que era o intestino.
Agora eu percebi que Elisabeth é melancólica. A veterinária disse que ela tem
todos os ossos do rabo quebrado e uma calcificação óssea na espinha. Parece ter
sido maltratada antes de chegar ao abrigo onde a recolhemos. Isso explica o
jeito esquivo e desconfiado, assim como a tristeza dela. Elisabeth tem medo. Ou
teve.
Carlota, dois meses mais nova, é um turbilhão. Sobe em todas
as mesas, entra no guarda-roupa, brinca com as plantas do vaso até destruí-las.
É impertinente e destemida, assim como curiosa. Quando se tenta tirá-la à força
de algum lugar, ela reage com arranhões. Nasceu na obra do novo estádio do
Corinthians, eu imagino. Se eu grito com ela, ou tento fazer gestos para
assustá-la, me encara com total indiferença. Como não teme as pessoas, se
aproxima com facilidade. Permite que a gente a pegue no colo e brinque com ela.
Outro dia, meio bebum, eu a segurei no chão pelas patinhas da frente e fiz
barulho com a boca na barriga dela, como se faz com as crianças. Ela ficou
perplexa.
Carlota me faz pensar como são felizes as pessoas
destemidas. Elas estão mais relaxadas. Desfrutam melhor do mundo ao redor
delas. Se alguém tentar incomodá-las ou feri-las, reagem e vão embora. É mais
simples, não é? Elisabeth, que tem medo de tudo, sugere que a vida deixa
marcas. Não sei se o tempo fará com que ela se sinta segura na companhia de
gente. Talvez não. Talvez ela seja naturalmente tímida. Mas isso faz que seja
mais gostoso quando ela, num rompante, escala o sofá, supera suas reservas e
decide, autonomamente, que vai dormir na minha barriga. Nestas horas, minha
gata delicada faz com que eu me sinta alguém especial.
Fico tentado a imaginar que a mulher ideal seria a mistura
das duas. A meiguice de uma com a impetuosidade da outra. A melancolia da
Elisabeth com a vivacidade da Carlota. Mas isso não existe, certo? A
personalidade das pessoas não é construída para nos agradar ou para fazê-las
mais desejáveis. Elas são como são. Imprescindíveis, adoráveis ou detestáveis à
sua maneira. E alternadamente.
Neste exato instante, escrevendo com Carlota no colo,
enquanto Elisabeth nos observa deitada na estante do escritório, eu não sei de
qual delas gosto mais. À sua maneira, as duas enchem a minha manhã. Uma mia,
anda pela casa e observa. A outra escala a mesa, deita no teclado e termina por
se ajeitar no meu colo. Se fossem duas mulheres, eu não saberia qual escolher.
Estaria apaixonado pelas duas. Na verdade, pelas três gatas aqui de casa.
Ivan Mendes
Fonte: Revista Época
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