domingo, março 09, 2014

O GAROTO QUEIMADO E O VELHO MÉDICO


A água estava fervendo. Já fazia algum tempo que a panela deveria estar fora do fogo. A ajudante da casa tira a panela do fogão e se vira para caminhar na cozinha. Neste momento, o garoto entra e, acidentalmente, os dois se chocam e toda aquela água cai sobre o corpo do menino de quatro anos.

Ele, com a dor, perde a consciência e fica no chão de madeira úmida que compunha o soalho da casa. A mãe, ao ver o filho queimado, larga o outro mais novo do colo e se põe a ajudar o filho acidentado. Tira sua camisa de algodão, ainda encharcada de água quente, que sai com pedaços de pele queimada.

Em uma manhã chuvosa, em uma Santarém do início da década de 70, grita desesperadamente no meio da rua por ajuda. O pai estava trabalhando em outra cidade e a mãe sozinha com a ajudante e mais dois filhos menores. Uma boa alma passa e leva o garoto queimado para uma clínica da cidade onde trabalhava um velho e competente médico.

O velho médico começa a cuidar do garoto que está gravemente queimado, com mais de 50% da área corporal comprometida. Apesar da dedicação e competência, o menino piora, entra em coma e tem seus rins paralisados. O velho médico chega com a mãe fala:
- Mãe, se o rins não voltarem a funcionar com 48 horas nós vamos perder o menino.

- O que mais podemos fazer? Pergunta a mãe.
Ele aconselha a rezar, tendo a certeza que estava fazendo tudo que podia, numa cidade do interior da Amazônia sem nenhum recurso. A família do menino nada mais poderia fazer. O pai eletricista e mãe costureira não tinham finanças suficiente para levá-lo para uma outra cidade mais recursos. Restava confiar no velho médico, e em suas orações.

Pouco tempo antes das 48 horas, o menino começou a urinar novamente. Era escura, em pouquíssima quantidade, mas que representava o retorno da esperança de vida. A alegria tomou conta da Mãe, do Pai e do velho médico.

Dias depois, o menino recebe alta para ser cuidado em casa. Aquele experiente médico havia salvado mais um morador da cidade. Restava `a família a difícil missão de cuidar do garoto para evitar as graves cicatrizes que por certo viriam.

As folhas de bananeira eram cuidadosamente limpas com álcool por seu avô materno e recobriam a cama. O menino dormia sobre as folhas, para não ter seu corpo grudado a nenhum tecido. Enquanto isso, a mãe segurava o pescoço e a tia mantinha os braços abertos para evitar as pregas das cicatrizes. Ao lado da cama com amplo mosquiteiro, um paneiro cheio de laranja lima, que mais um membro da família se punha a descascar e oferecer a fruta fresca ao pequeno paciente.

O garoto cresceu saudável e com poucas cicatrizes do grave acidente. Porém nunca esqueceu do velho médico e dos dias que quase morreu.

Decidiu ser médico. Quem sabe um dia pudesse compreender o que havia acontecido com ele e ajudar pessoas, como também havia sido ajudado.

Deixou família, amigos, o rio que tanto amava e foi estudar medicina.

Muitos anos depois, o garoto - agora médico - volta para sua cidade e recebe um chamado para avaliar um paciente idoso e gravemente enfermo. 

O jovem médico entra no apartamento do hospital e vê o paciente no leito. Antes de falar qualquer coisa, o paciente se antecipa e diz:
- Amigo, chamei você para me ajudar a controlar a dor da grave doença que me acometeu.
- Claro ! - respondeu o jovem médico.
- Sei que vou morrer, mas não gostaria de sentir dor. Esse é o ponto que quero que você me ajude – falou o paciente com dificuldade mas extremamente lucido.
O jovem médico tenta animá-lo para vida:
- Não fale isso. O senhor tem muito a fazer ainda. Vai sair dessa...
- Não, não... eu já passo dos noventa anos e minha doença é incurável. É chegado a minha hora. Sei disso, você sabe disso. Não se preocupe que estou feliz e satisfeito com a vida que tive. Confio em você. Só não quero sentir dor.
O novo médico tenta mais uma vez e fala:
- Olhe, o senhor salvou a minha vida e não posso só amenizar a sua dor vamos ter que fazer mais.
O velho Médico, que salvara sua vida, agora era seu paciente. Com a mesma franqueza e humildade de anos atrás responde:
- Não fui eu quem salvou sua vida, filho. Foi Deus. Foi ele que te ajudou a sobreviver daquela grave queimadura, numa cidade onde não tínhamos quase nada de recursos.

O jovem medico , baixa a cabeça com a viva lembrança dos dias que era um grave queimado e compreende que sua missão seria fazer somente aquilo que o amigo estava pedindo. Começa a sentir na pele que a vida segue “a mesma lei da flor”. Que o importante na vida é ter uma vida digna, uma vida boa. Aprende naquele reencontro que não devemos sofrer com medo da morte, mas estarmos preparado espiritualmente para o fim, que logo será um recomeço.

O médico sai do quarto, vai até o posto de enfermagem e prescreve as medicações. Cinco dias após, o velho médico e paciente vem a falecer sem dor , sem sofrimento e sem medo.

Dr, Waldemar Pena

No prontuário do paciente estava o nome do velho Médico: Waldemar Penna.
Abaixo da prescrição dos medicamentos estava o carimbo do garoto queimado, que se tornou médico: Erik L. Jennings Simões.

Dr. Erik L. Jennings Simões

Nota: Esta é uma história real em seus mínimos detalhes. Compartilho com os amigos, como uma forma de comemorar meus 45 anos de idade que faço hoje e de celebrar a vida, a amizade e a solidariedade entre as pessoas. 

Obs: Dr. Erik é  santareno e médico  Neurologista  e Dr. Waldemar Pena foi um dos grandes médicos que, no outrora, prestou inúmeros  serviços médicos, em seu hospital " Casa de Saúde" e nos demais hospitais santarenos. Era um cara simples e prestativo. Era amigo pesssoal de meu pai, que era um simples carregador, mas que num dado momento recebeu em casa a visita do doutor que veio lhe visitar, após saber que papai tinha sido operado de hérnia. Eu era criança , mas jamais esqueci a imagem daquele senhor chegando em nossa humilde casa,numa determinada tarde,  todo de branco , com seus cabelos grisalhos. Ele veio visitar meu pai Pedro Rocha e saber se papai estava precisando de alguma coisa, mas com ele já trouxe algumas vitaminas e umas latas de leite especial vitaminado  para o papai. Assim que chegou, deu logo uns ralhos no papai, por ter deixado a hérnia estrangular e fez questão de pedir para ver e examinar a cirurgia. E eu jamais esqueci aquele momento que ficou em minhas grandes lembranças. 
( Socorro Carvalho) 


Fotos: Página do face de dr. Erik e site Notapajós

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