Era costume, em Santarém, as famílias sentarem-se à porta da
rua de suas casas, nas noites quentes de verão, para aproveitarem a fresca,
amiga, agradável. E nas noites enluaradas, iam à praia, onde o vento leste,
acariciante, contribuía para que a reunião familiar fosse mais aconchegante
ainda, graças ao ambiente de lua, praias, risos e rios. E a praia preferida era
a do Trapiche, onde se podia ver, nessas noites maravilhosas, dezenas de
pequenos grupos, cada grupo reunindo uma família. Cantava-se, tocava-se violão,
bandolim; namorava-se, as crianças riam, corriam, brincavam de roda, de
cipó-queimado, de cabra-cega. Riam mais ainda quando na brincadeira de
cobra-grande o rabeira desprevenido, dava, sem o querer, com roupa e tudo, um
mergulho no Tapajós. Era a alacridade, essa alegria sadia, própria da criança e
da juventude santarena.
A noite era de plenilúnio e José Agostinho foi à praia,
também. E estando lá, põe-se a andar, de lá para cá, para melhor apreciar o
luar e a brisa daquela noite, que estava gostosa, demais. De repente, teve a
sua atenção despertada por sons vindos de um grupo que se destacava dos demais
pelo maior número de pessoas que o formava. Eram sons de clarineta, violino,
bandolim e violão. E dele foi se aproximando, devagar, hesitante, até ouvir uma
voz grave, vinda do grupo, com a pergunta a si dirigida:
– Quem és?
Antes que respondesse, um jovem, quase menino ainda, disse:
– Ouvi falar que é irmão colaço de um filho do Desembargador
Chaves, papai.
– O que fazes? – indagou a mesma voz.
Ia responder quando outra jovem antecipou-se:
– Ouvi o Dr. Anysio dizer que até bem pouco foi primeiro
clarineta e requinta da banda de música do Instituto Lauro Sodré.
– Então, és bom músico, meu rapaz! – comentou o dono da voz
grave – e o convidou para que participasse da reunião com amistoso:
– Chega-te, meu jovem!
Após insistente convite para que mostrasse sua arte, José
Agostinho examinou e experimentou uma velha clarineta que lhe puseram nas mãos,
virou-se para os rapazes que tocavam violão, pediu ré menor e tocou um
schottisch desconhecido para aquela gente, que o escutou silente e admirada. Ao
final, após costumeiros bravos e palmas dos presentes, o homem de voz grave
perguntou-lhe:
– De quem é esse lindo schottisch?
– É meu – respondeu meio encabulado.
– Então, és compositor?
– Pretendo sê-lo.
– Pretendes, como?
– Acontece que desde que aqui cheguei – respondeu José
Agostinho – comecei a sentir que se desenvolvia dentro de mim a melodia de um
schottisch, que acaba de nascer.
Perplexo, diante da surpreendente revelação, perguntou-lhe:
– Já tem nome?
José Agostinho, após fitar, novamente, a moça de pele alva,
olhos azuis e cabelos dourados, a mesma que vira, graciosa, exibindo lindo
vestido azul, que exigia espartilho e anquinhas, dias antes, no baile que
serenava e que desde o primeiro instante, na praia, não tirava seus olhos azuis
dele, respondeu:
– Sim, já tem nome, inspirado agora, IDÍLIO DO INFINITO.
– Belo nome para um bonito schottisch, comentou o bom homem
de voz grave.
A seguir, mais descontraído, José Agostinho pediu o bandolim
que uma jovem segurava e tocou uma cavatina. Voltou à clarineta e executou
outra música. Tocou violino e, como instassem, acompanhou ao violão uma jovem
santarena que cantou uma canção francesa em francês, muito chique na época. E
tocou até os últimos minutos da noite para uma pequena multidão de curiosos e
apreciadores da bela arte. É que, desde o primeiro instante, os vários pequenos
grupos de famílias deixaram de existir, pois se transformaram num grande grupo
para, juntos, admirarem a virtuosidade do jovem músico.
A noite foi linda, muito linda. Noite de dezembro, de lua
cheia. Noite de céu aberto, de praias alvas, prateadas. Noite de risos e rios
rebrilhantes. Noite aconchegante, noite para amar. Noite de serenata, noite
santarena…
Noite especial, de significado profundo para todos nós
santarenos, noite criada por Deus para nela nascer a primeira dentre aquelas
que, mais tarde, com certo orgulho, se convencionou chamar Música Popular Santarena:
Idílio do Infinito.
(Wilmar Dias da Fonseca, no livro “José Agostinho da
Fonseca: O Músico-Poeta”, Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1978,
Belém/Santarém-PA, p. 27/30).
O texto foi retirado do Blog Wilson Fonseca - Centenário
A foto do face do Emanuel Júlio, mas de autoria da empresária santarena Vânia Maia

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